Entrevista com os criadores — Edição 8: Fire Emblem Engage — Capítulo 2
20/02/2023
As imagens mostradas no texto foram criadas durante o desenvolvimento.
O conteúdo deste artigo foi publicado originalmente em japonês.
Todas as capturas de ecrã são da versão em inglês do jogo. Fire Emblem Engage está disponível em alemão, inglês, espanhol, francês, italiano, japonês, coreano e chinês.
Capítulo 2 — Um equilíbrio delicado
Agora que temos um bom entendimento do panorama e do tema deste jogo, gostaria que nos aprofundássemos nos visuais. A Mika Pikazo-san (6) foi escolhida como ilustradora para tratar do design das personagens deste título desde o início?
(6) Ilustradora nascida em Tóquio, em 1993. Depois de terminar o ensino secundário, interessou-se por tecnologia de vídeo, design para publicidade e música da América do Sul e mudou-se para o Brasil, onde viveu durante cerca de dois anos. Desde o seu regresso ao Japão, já trabalhou em vários géneros de arte, incluindo design de personagens, design de logótipos e artigos para marcas de roupa, ilustrações para capas de romances e capas para álbuns em CD.
Tei:
Tivemos vários candidatos. Estávamos à procura de um artista cujo estilo atraísse um público vasto — incluindo jogadores mais jovens — e com a capacidade de retratar uma variedade de personagens. Entre os candidatos, os desenhos da Mika Pikazo-san eram coloridos, vivos e destacavam-se bastante! Encaixaram-se na perfeição com a direção vistosa que queríamos dar a este título. Foi uma votação unânime, com toda a equipa de desenvolvimento a concordar que seria ela a escolhida.
Nakanishi:
Era mesmo vibrante e deslumbrante e senti que tinha tudo o que procurávamos.
Foi uma decisão fácil?
Tei:
Felizmente, ela aceitou logo a nossa proposta e disse que queria fazê-lo. Como há muitas personagens, iria ser um trabalho de vários anos, mas, felizmente, calhou numa boa altura para ela.
Yokota:
Então... falaram com ela e pediram-lhe para desenhar umas 50 personagens sem nenhuma informação sobre o jogo, como se nada fosse? (Risos)
Tei:
Bem, sim... (Risos)
Nakanishi:
Se a Intelligent Systems pede a alguém para desenhar 50 personagens, é bastante óbvio que é para um novo jogo Fire Emblem, não é? (Risos)
Tei:
Bem, eu achei que seria preferível sermos diretos na nossa abordagem. Dito isto, ela tinha uma preocupação. Como costuma desenhar personagens jovens, estava preocupada com o seu nível de confiança para o design de algumas personagens. É verdade que as competências do designer não devem limitar-se a desenhar nobres fixes e raparigas jovens. Em Fire Emblem, há uma série de personagens, como soldados experientes, e, além disso, o designer tem de conseguir desenhar armaduras, armas e criaturas como pégasos.
Não é todos os dias que nos pedem para desenhar pégasos. (Risos)
Nakanishi:
Uma vez, um ilustrador disse-nos que não sabia de onde saíam as asas dos pégasos nem como as pessoas os montavam. (Risos)
Tei:
Mas a Mika Pikazo-san estava recetiva a novos desafios e trabalhou muito.
Qual foi a primeira personagem que lhe pediram que desenhasse?
Tei:
As primeiras personagens foram o Alear, a Alear e a Céline. Achámos melhor começar com as personagens masculinas e femininas principais. Estes são alguns dos designs simples do primeiro esboço.
À esquerda, vemos os desenhos de três Alears. À direita, vemos a Céline.
Com base no panorama do jogo, ela apresentou várias propostas, com diferentes penteados e esquemas de cores e afins. Depois, tivemos conversas entre a nossa equipa interna para determinar a imagem da personagem.
Uau, a cor é tão viva, mesmo neste esboço simples.
Nakanishi:
Acho que essa é uma das características únicas do trabalho da Mika Pikazo-san. Ela usa cores de destaque aqui e ali e encontra o equilíbrio certo. É mais fácil de entendermos se olharmos para os desenhos dela finais, mas, apesar de usar cores ousadas, eles não parecem planos. Têm um acabamento natural, e essa é uma das excelentes qualidades dos desenhos dela.
Yokota:
Nos dias da Super Famicom (conhecida como Super NES na América do Norte e na Europa), acho que as personagens da série Fire Emblem se destacavam por terem cores primárias. Gosto de como os designs neste título se assemelham aos desses tempos.
Higuchi:
Lembro-me de usarmos cores como B100% para o cabelo, em vez de misturarmos as cores em RGB (7). (Risos) Sobretudo nos jogos Fire Emblem lançados para a Family Computer (Famicom) (conhecida como NES na América do Norte e na Europa), tínhamos tantas personagens, apesar da limitação no número de cores que podíamos usar para uma personagem. Portanto, houve um grande número de personagens que caracterizámos apenas pela cor. Talvez seja por isso que se tem essa impressão.
(7) As iniciais em inglês das três cores primárias da luz: vermelho, verde e azul. Misturar as três cores de várias formas produz uma ampla gama de cores. No entanto, devido a limitações funcionais, era difícil ter esquemas de cores complexos nas primeiras consolas de jogos.
Tei:
Agora podemos misturar cores sem qualquer preocupação com limitações técnicas. Assim, refinámos os designs das personagens com base na personalidade e aparência de cada personagem, tendo em conta o equilíbrio geral das cores de forma a não haver sobreposição entre elas.
Usar tantas cores ousadas e, ao mesmo tempo, conseguir uma união entre o todo parece ser um trabalho desafiante.
Tei:
Sim, acho que foi mesmo impressionante da parte dela consegui-lo a esta escala. Acabei de lembrar-me de um momento engraçado. A Mika Pikazo-san desenha coisas muito detalhadas, mesmo nos esboços inicias. Por exemplo, há uma personagem chamada Kagetsu que é um mestre das espadas, e ele vem de um lugar com uma cultura única, diferente da das outras personagens. Não temos nenhuma nação de estilo japonês neste título, mas quando olhei para o esboço, reparei que a personagem tinha uma bola de arroz na mão. (Risos)
No centro deste esboço, vemos o Kagetsu.
Isso deu-nos algumas ideias que foram implementadas num evento do jogo.
Então, o pormenor dela no esboço ajudou a definir a personalidade da personagem.
Tei:
A Mika Pikazo-san já joga a série Fire Emblem há algum tempo e sabia muito sobre os antigos títulos da série. Ela deu-nos muitas ideias como: "vamos usar vermelho e azul no cabelo do Alear" ou "para o Clanne e a Framme, verde e vermelho pode ficar bem", tendo em conta os títulos anteriores da série.
Higuchi:
Mas já passaram mais de 30 anos desde o primeiro jogo da série, por isso, há alguns elementos que mudaram ao longo das gerações. Por exemplo, as personagens deste jogo são da realeza e da nobreza, mas também são, de certo modo, despretensiosas e os jogadores conseguem identificar-se com elas. É aquela proximidade que podemos sentir em relação a celebridades com as quais podemos interagir casualmente nas redes sociais. Claro que cada personagem tem as suas qualidades únicas que a fazem destacar-se individualmente.
Entre elas, houve personagens que chamaram a vossa atenção?
Higuchi:
A personagem que mais me fez pensar, "uau, quem é esta?", foi a Yunaka. A personalidade dela e a forma como ela fala não têm nada que ver com as personagens que tivemos antes.
Ao início, não sabia bem o que sentir, mas, à medida que fomos avançando no desenvolvimento, fiquei cada vez mais curioso em relação a ela. (Risos) Agora é uma das minhas preferidas.
Nakanishi:
Eu gosto muito da Framme. Ao longo da série, muitos dos soldados de tipo curandeiro não podiam atacar e tinham de ser protegidos, mas, desta vez, há uma classe de monges que é boa em lutas corpo a corpo para combater nas batalhas. Estas personagens do tipo curandeiro são facilmente visadas, mas são divertidas porque podem contra-atacar por si.
Yokota:
Eu gosto da ideia de fortalecer esse tipo de personagens. É divertido, não é?
Tei:
Além disso, a Mika Pikazo-san tem alguma experiência no design de personagens 3D, então tive a impressão de que ela estava a criar as personagens tendo em consideração como ficariam em 3D.
Agora que fala nisso, as personagens deste jogo são apresentadas em modelos 3D e não 2D, não é? Deve ter dado muito trabalho, tendo em conta a quantidade de personagens que há.
Tei:
Sim, deu. Também demos prioridade à qualidade de cada personagem, por isso, foi um longo caminho. Em geral, as ilustrações originais são desenhadas com mais pormenores em comparação com os modelos 3D. Então, nos jogos Fire Emblem anteriores, quando não conseguíamos terminar a arte em 3D com o nível de riqueza que esperávamos, apresentávamos as ilustrações em 2D para complementar isso. Como este é o segundo título principal da série Fire Emblem lançado para a Nintendo Switch, quisemos desafiar-nos a usar apenas modelos 3D.
Nakanishi:
Ao apresentar e mover as personagens em 3D, podemos dar expressões mais ricas aos movimentos dos olhos e às expressões faciais nas batalhas. E, para este jogo, planeámos os efeitos de forma que fossem vistosos e marcantes, por isso é que quisemos aceitar o desafio de usar apenas modelos 3D.
Tei:
Até usámos os mesmos modelos 3D para as caras das personagens nas janelas de conversa durante as batalhas, como noutras cenas.
Os desenhos da Mika Pikazo-san são muito detalhados e, como mencionámos quando estávamos a falar sobre o equilíbrio das cores, parecem estar compostos com o equilíbrio certo.
Sendo esse o caso, não foi difícil converter todos os desenhos em modelos 3D? Anteriormente, quando fizemos a entrevista sobre Xenoblade Chronicles 3, falámos sobre a conversão de desenhos 2D em modelos 3D e o diretor executivo Tetsuya Takahashi mencionou que solicitou revisões várias vezes.
Nakanishi:
Bem, sim... Durante o desenvolvimento, tivemos algumas dificuldades na melhoria da qualidade e houve momentos em que tivemos opiniões como: "Se está neste nível, talvez as ilustrações 2D devam ser usadas também."
Higuchi:
Só para as personagens principais, deve ter havido pelo menos seis revisões. Por fim, a Mika Pikazo-san veio aos escritórios de desenvolvimento em Quioto para as rever detalhadamente.
Tei:
Ela fazia comentários na hora e nós comparávamos os desenhos 2D para evidenciar as diferenças. Depois concretizávamos logo os comentários... e repetíamos isto várias vezes.
Nakanishi:
Nós ampliávamos as caras e pedíamos retoques em torno da linha do rosto e dos olhos várias vezes. A cara de uma personagem contém várias partes e a mais pequena alteração no seu equilíbrio faz com que pareça estranha.
Tei:
Estávamos a criar modelos com base nas ilustrações da Mika Pikazo-san, mas, nos primeiros dias do desenvolvimento, tivemos dificuldades em fazer com que os traços faciais ficassem semelhantes aos das ilustrações. Estavam em diferentes níveis de concretização, consoante as personagens. Então a Mika Pikazo-san partilhou connosco um documento sobre proporções que detalhava as partes da cara e o contorno do rosto e organizava as personagens por faixa etária e género. Graças a esse documento, conseguimos manter o equilíbrio geral do design na criação dos modelos 3D. Além disso, o documento permitiu-nos fazer com que os traços faciais de cada personagem ficassem drasticamente mais parecidos com os das ilustrações.
Isso é impressionante. Ela sabe mesmo muito sobre design de personagens 3D.
Tei:
Também trabalhámos bastante na expressão dos olhos. Já mencionámos que a forma como ela usa as cores ousadas é incrível, mas os olhos também se expressam num equilíbrio delicado. As íris dos olhos foram particularmente difíceis. Se virmos a forma como ela desenhou os olhos, reparamos que as íris são complexas e nunca simples.
Em relação aos olhos, trocámos muitas opiniões desde as fases iniciais do desenvolvimento. Em comparação com os desenhos 2D, em que se cola a textura, quisemos implementar uma expressão estereoscópica e dinâmica que só pode ser alcançada através dos modelos 3D.
Não é fácil modelar olhos em 3D, não é? Podem parecer bem quando os vemos de frente, mas, quando os vemos de lado, podem não parecer coesos. Como é que superaram isto?
Tei:
Foi preciso muito tempo, mas a equipa de desenvolvimento deu o seu melhor. Desmontaram componentes do olho e, com o contributo da Mika Pikazo-san acerca de cada componente, fizeram ajustes para que cada parte se movesse corretamente. Foi um processo de revisão minucioso, rodando o modelo com o editor 3D e analisando-o para garantir que ficava bem a partir de todos os ângulos. Criámos os modelos de forma que, quando movíamos as personagens, elas olhavam na direção do jogador. Por isso, testávamos o movimento dos globos oculares com várias expressões e concluíamos cada tarefa uma a uma.
Fizeram estes ajustes para todas as personagens?
Tei:
Sim. E deu mesmo muito trabalho. (Risos) Mas, como nos esforçámos muito para aperfeiçoar esses elementos, conseguimos levar as caras e os olhos, que são os elementos mais impactantes do design da Mika Pikazo-san, ao ponto em que podemos projetá-los num ecrã grande sem problemas. Portanto, espero que todos usufruam dos gráficos num ecrã grande utilizando o modo TV.
Vai ser certamente uma experiência imersiva podermos usufruir deste mundo colorido e vibrante num ecrã grande.
Depois de terminarem o design das personagens, creio que o vosso passo seguinte tenha sido criar personalidades e cenas de batalha para cada personagem. Podem falar-nos mais sobre o vosso trabalho nessa "direção vistosa"?
Nakanishi:
O título anterior, Fire Emblem: Three Houses, era uma crónica de guerra, por isso, havia o apelo vistoso de liderar um grande número de tropas na forma de batalhões, mas, por esse motivo, não nos foi possível procurar os efeitos dramáticos vistosos em 3D. Se o movimento fosse limitado a uma personagem, iria parecer que os outros elementos do batalhão não a estavam a acompanhar. Por isso, não tivemos grande escolha senão limitar a ação.
Mas, desta vez, pudemos planear as cenas de batalha numa base individual, por isso pedimos à Intelligent Systems que tornasse as ações o mais vistosas possível, por exemplo, adicionando um efeito de movimento de investida quando os soldados atacam ou permitindo que seja disparada uma flecha a partir de um forte e por aí adiante.
Tei:
Todas as cenas são expressas com modelos 3D e trabalho de câmara, então conseguimos mostrar minuciosamente as expressões sérias das personagens quando a câmara se aproxima.
Higuchi:
Em particular, o Teraoka-san (8), o diretor de arte deste título, é muito talentoso na criação de design de movimento e focou-se bastante nos movimentos das personagens. Os títulos Fire Emblem lançados para a Game Boy Advance também eram caracterizados pelas suas animações de batalha vistosas, apesar dos gráficos pixelizados. Prestando homenagem a esses trabalhos anteriores, o Teraoka-san criou um design de movimento que é tão incrível como o desses trabalhos.
(8) Takafumi Teraoka. Diretor de arte do Departamento de Desenvolvimento de Informação da Intelligent Systems. Trabalhou na criação de movimento para títulos como Fire Emblem Fates e Fire Emblem Echoes: Shadows of Valentia, lançados para a Nintendo 3DS.
Yokota:
A sua paixão transparece visivelmente em movimentos como o soco da Framme. As cenas de batalha são incríveis e nota-se que têm muito amor do Teraoka-san. (Risos)
Todos:
(Risos)
Nakanishi:
Este jogo foi criado de forma que os movimentos de batalha mudam conforme as personagens sobem de nível. Por exemplo, no começo, a personagem só se esquiva do ataque dos inimigos. Mas, depois de ficar mais forte, começa a contra-atacar e rechaçar ataques, ou a cortar com uma espada flechas em pleno voo, portanto, os movimentos mudam consoante a personagem fica mais forte. Este tipo de pormenores também são divertidos.
Estou a ver. Os jogadores podem sentir a evolução das personagens através dessas ações no jogo.
Tei:
Os fãs da série são capazes de gostar disto, mas quando se faz Engage com Emblems, as personagens dizem frases icónicas dos títulos anteriores. Quem jogar a série pela primeira vez com este título pode desfrutar de uma série de frases que mudam consoante as personagens que fazem Engage. E os que jogaram os títulos anteriores podem divertir-se a criar pares e ouvir as personagens a dizer essas frases familiares do passado.