Entrevista com os criadores – Edição 12: The Smiling Man: Famicom Detective Club – Capítulo 3
05/09/2024
Alguns vídeos e imagens aqui apresentados foram criados durante o desenvolvimento do jogo.
O conteúdo deste artigo foi publicado originalmente em japonês.
Capítulo 3: Uma nova abordagem, um novo ambiente
Que outros elementos, além da história, são essenciais para o desenvolvimento de um jogo de aventura?
Sakamoto:
O primeiro passo fundamental é criar o que nós chamamos de "lógica", por outras palavras, as mecânicas de jogo que permitem que a história funcione enquanto parte do jogo.
Como é que se cria essa "lógica"?
Miyachi:
Através de folhas de cálculo. Ao utilizarmos múltiplas folhas de cálculo, organizamos parâmetros como o fundo a utilizar em cada cena, a música que toca em cada momento e para que cena saltamos se cumprirmos certas condições.
Sakamoto:
Também usámos as folhas de cálculo para gerir a progressão do jogo. Depois, carregámo-las para uma ferramenta e executámo-la. Desenvolver a lógica de modo a que nada falhasse foi... uma tarefa meticulosa. (Risos)
Estes documentos são incrivelmente detalhados.
Miyachi:
O mais ínfimo erro presente no ficheiro poderia levar a narrativa no caminho errado e, por vezes, não conseguia perceber onde tinha cometido um erro.
Sakamoto:
Durante o desenvolvimento de Famicom Detective Club PART II: The Girl Who Stands Behind para a Super Famicom, usei diferentes ferramentas e construí a lógica sozinho. Desta vez, a Miyachi-san reviu atentamente cada detalhe da lógica e inseriu as correções necessárias.
Miyachi:
O Sakamoto-san queria muito mostrar-me o que tinha feito, até declarou presunçosamente: "Sou a única pessoa que consegue criar a lógica desta série, olha para isto!" Mas quando experimentei, não achei muito divertido. (Risos)
Todos:
(Risos)
Miyachi:
É claro que a lógica estava bem organizada, a história fazia sentido. Mas fiquei com a impressão de que faltava qualquer coisa. Enquanto eu pensava na melhor maneira de dar as más notícias ao Sakamoto-san, ele disse-me: "Podes ser honesta." E foi o que eu fiz: "Não achei muito divertido."
Sakamoto:
Fiquei estupefacto. (Risos) Sempre tive o hábito, desde que trabalhava sozinho, de não tornar a lógica demasiado fácil de resolver. Acabei por torná-la demasiado complexa. Mas percebi que não tem piada se não a conseguirem resolver. Quero que os jogadores sintam que alcançam algo quando resolvem um quebra-cabeças, mas não devia dificultá-los tanto que nem consigam equacionar como os solucionar. Foi realmente desafiante manter o equilíbrio certo ao longo do jogo.
Além disso, os outros títulos da série Famicom Detective Club só continham texto, não foram dobrados. Se achasse que os jogadores poderiam não entender alguma coisa por faltarem palavras específicas, podia acrescentá-las e alterar a lógica a qualquer momento. Mas a dobragem deste jogo foi feita bastante cedo, pelo que não podíamos alterar ou acrescentar nada. Tivemos de planear as coisas antecipadamente.
Este é o primeiro jogo totalmente da série em cerca de 35 anos, o que vos trouxe um desafio novo no que à criação diz respeito.
Sakamoto:
Sim. A forma como abordei o desenvolvimento foi nova e diferente das que tinha utilizado anteriormente.
Ao nível das mecânicas de jogo, alteraram alguma coisa ou acrescentaram algum aspeto novo?
Miyachi:
Em jogos de aventura baseados em comandos como os da série Famicom Detective Club, quando ficamos bloqueados, tendemos a recorrer à força bruta, percorrendo os comandos de cima a baixo. Quando isto acontece, os jogadores que até a esse momento estavam imersos no mundo do jogo podem desinteressar-se ou perder o rumo da história. Como não queríamos que isso acontecesse neste jogo, destacámos algumas palavras com diferentes cores que podem dar pistas aos jogadores e ajudá-los a continuar.
Portanto, se prestarem atenção às pistas, conseguem saber o que fazer a seguir.
Miyachi:
Exatamente. Também prestámos muita atenção à forma como as conversas eram formuladas para que os jogadores pudessem compreender o que estava a acontecer, mesmo sem as palavras destacadas. Posto isto, algumas pessoas podem pensar que demasiadas dicas retiram o gozo a um jogo de aventura tradicional baseado em comandos. Por isso, incluímos a opção de desativar os destaques.
Reparei que os telemóveis são outro elemento novo presente no jogo. O facto de serem telemóveis dobráveis à moda antiga, em vez de smartphones, dá um certo contexto temporal.
Miyachi:
Queríamos que a história se focasse nos três membros da Utsugi Detective Agency: Shunsuke Utsugi, o protagonista, e Ayumi Tachibana. Como era difícil imaginar como seria o mundo décadas após o jogo anterior, decidimos situar este jogo numa época que se mantém próxima aos títulos originais.
Além disso, enquanto discutíamos que elementos novos queríamos acrescentar, começámos a pensar em que ano é que os telemóveis se difundiram pelo Japão. Decidimos optar por uma época em que a vida não era nem demasiado conveniente,nem demasiado inconveniente. Lembras-te disso, Sakamoto-san?
Sakamoto:
Oh, é claro que me lembro. (Risos) Criámos os jogos originais da série Famicom Detective Club no final dos anos 80. Nessa altura, a vida no Japão estava a tornar-se cada vez mais conveniente, apesar de ainda ser bastante frustrante, pelo que sentimos que telemóveis antigos fariam mais sentido do que smartphones.
Miyachi:
É possível fazer chamadas telefónicas em vários momentos do jogo. No geral, não se pode fazer uma chamada enquanto se está a falar com alguém cara a cara; seria uma falta de educação! Mas se telefonarem a uma personagem quando não é estritamente necessário, estas poderão revelar-vos uma faceta inesperada.
Então, a lógica tem todos os pormenores em conta. Mas este jogo parece incluir vários elementos inovadores para a série Famicom Detective Club. O Sakamoto-san mencionou anteriormente que queria que o jogo fosse apreciado por um público mais vasto.
Sakamoto:
É verdade. Desta vez, queria mesmo que o jogo fosse apreciado não só pelos fãs da série Famicom Detective Club, mas também pelos novos jogadores. Com isso em mente, quisemos modificar o ambiente dos jogos anteriores e torná-lo mais colorido.
Colorido?
Sakamoto:
Para o bem ou para o mal, os jogos anteriores tinham um ambiente pouco sofisticado e sombrio. Faz parte do charme da série Famicom Detective Club, mas queríamos dar um aspeto mais colorido e vibrante a este título. Os jogos da série Famicom Detective Club sempre contaram com o humor para atenuar a sensação de pavor.
Posto isto, sentíamos que havia algo pesado ou sombrio à sua volta. É claro que esse sempre foi o nosso objetivo e isso não mudou neste jogo. Contudo, queríamos alterar o ambiente deste jogo de modo a que fosse menos opressivo e mais sofisticado.
Foi o que acabámos por conseguir, graças às contribuições da Miyachi-san. Acho que realçámos o lado mais "ensolarado" da série Famicom Detective Club de uma forma positiva.
Miyachi:
Por falar em humor, tivemos de explicar o significado de um trocadilho japonês às equipas de localização estrangeiras, o que foi... um pouco embaraçoso. (Risos) Depois de o explicarmos, sugeriram-nos alterações de forma a que os jogadores não japoneses também o entendessem. Por isso, independentemente da língua, terão direito a algumas piadas engraçadas. (Risos)
Sakamoto:
Mencionaste a localização, mas independentemente da língua em que se jogue, acho que há coisas que são entendidas globalmente. Por exemplo, mudanças subtis no estado de espírito das personagens ou pequenos detalhes retratados durante o jogo. Espero que os jogadores também apreciem estes aspetos.
Já agora, consta que manteve o termo "drama interativo" em mente durante o desenvolvimento do jogo. Isso está relacionado com a mudança do ambiente do jogo que debatemos anteriormente?
Sakamoto:
Em termos de género, é um jogo de aventura, mas se tivermos em conta as mecânicas de jogo, este título não encaixa nessa definição. E como chamá-lo simplesmente de jogo não me soava bem, pensei que seria uma boa ideia atribuir-lhe um género próprio, o de "drama interativo".
Miyachi:
Tal como num drama a sério, o enredo é igual para todos... Mas queríamos que os jogadores sentissem que faziam parte da história e que estavam a falar com as personagens. Concluímos que "drama interativo" fazia sentido, visto que os sentimentos dos jogadores afetam as suas ações e estas influenciam as respostas que recebem.
Quase como se fizessem parte do drama, assumindo o papel de protagonistas. Agora que penso nisso, parece interligar-se com os jogos de estilo RPG de que disse gostar, Miyachi-san.
Miyachi:
É capaz de ser verdade.
Ainda no outro dia eu e o Sakamoto-san estávamos a comentar que as conversas são como seres vivos. Crescem de maneira inesperada, dependendo das palavras utilizadas no momento. Há histórias neste jogo que só podem ser ouvidas em determinadas alturas. Pode dizer-se o mesmo da vida real, não é?
Há frases que não ouvirão e coisas que não experienciarão se estiverem a tentar passar o jogo o mais depressa possível. Encorajo os jogadores a experimentarem coisas diferentes e a questionarem: "Se fizer esta pergunta neste preciso momento, que resposta é que vou receber", ou "O que aconteceria se investigasse isto agora?"
Sakamoto:
Não posso elaborar muito, por causa dos spoilers, mas este jogo incorpora elementos pouco comuns, inclusive face aos títulos anteriores da série Famicom Detective Club, mas espero que os jogadores apreciem. Além disso, todas as cenas, até ao mais simples flashback, foram produzidas com tamanha atenção ao detalhe que eu sinto que a MAGES. teve o dobro do trabalho que tinha previsto.
Foram incrivelmente perseverantes. Estou-lhes muito grato pelo seu apoio.
Tenho uma última questão. O que gostariam de dizer aos jogadores que estão ansiosos por este novo título da série Famicom Detective Club?
Sakamoto:
A todos os fãs originais e a todos os que conheceram a série Famicom Detective Club através dos remakes, muito obrigado por terem esperado. Em primeiro lugar, queremos que toda a gente aprecie este novo título da série Famicom Detective Club, com um enredo e mecânicas de jogo inovadores. Mas também esperamos que continuem a apreciar o estilo de drama humano com laivos de terror da série Famicom Detective Club, que progride de acordo com as nossas indicações cuidadosamente pensadas.
Criámos uma demo para este jogo que inclui bastantes mecânicas de jogo e recomendo que a experimentem se não conhecerem a série. A demo tem elementos suficientes para que queiram saber o resto da história!
Miyachi:
Muitos dos jogadores da série Famicom Detective Club prestam atenção aos detalhes e reparam em coisas que escondemos no jogo. Este título não é exceção no que toca a referências escondidas, portanto, esperamos que os jogadores se divirtam a passar o jogo várias vezes.
Nós os dois escrevemos a história, devíamos saber o jogo de cor e, mesmo assim, durante as múltiplas sessões de teste, dávamos por nós a pensar: "Oh, estes dois acontecimentos estão interligados! Sakamoto-san, sabias disto?" (Risos) Descobríamos algo novo sempre que passávamos o jogo.
Esperamos que desfrutem do jogo ao vosso ritmo, quer seja a vossa primeira vez a jogar um título da série Famicom Detective Club, quer sejam fãs de longa data. E seria ótimo se os jogadores deste título se tornassem um pouco mais gentis com as pessoas que os rodeiam.
Sakamoto:
É verdade. Espero que este jogo os relembre disso. De facto, Miyachi-san, o que acabaste de dizer é um tema recorrente na série Famicom Detective Club. E ao ouvir-te dizê-lo de forma tão natural... Sei que posso contar contigo.
Eu e a Miyachi-san trabalhámos em conjunto neste novo título, trocando ideias entre nós para as continuarmos a desenvolver. Fãs da série, podem ficar descansados. Finalmente encontrei a herdeira! (Risos)
Miyachi:
Vou dar o meu melhor para não me tornar na "herdeira desaparecida". (Risos)