Entrevista Nintendo Classic Mini: SNES – Parte 2: F-ZERO
20/09/2017
Olá a todos! Sou o Akinori Sao, um escritor de Quioto.
Esta série de entrevistas foi conduzida para comemorar o lançamento da Nintendo Classic Mini: Super Nintendo Entertainment System. O tópico desta segunda entrevista é F-ZERO.
F-ZERO é um intenso jogo de corridas onde podes acelerar ao longo de pistas futuristas a velocidades superiores a 400 quilómetros por hora. É também conhecido por ser um jogo que a Nintendo lançou em simultâneo com a Super Nintendo Entertainment System.
Depois do seu lançamento, F-ZERO foi um enorme êxito graças a funcionalidades muito populares, como a capacidade de gravar o melhor tempo de pista com uma precisão de um centésimo de segundo. Como começou o desenvolvimento deste jogo? Desta vez, vou falar com o diretor do jogo Kazunobu Shimizu, o programador principal Yasunari Nishida e o designer Takaya Imamura, que também apareceu na primeira entrevista acerca de Star Fox e Star Fox 2.
E agora, temos Shimizu-san, Nishida-san e Imamura-san!
2.ª Parte: F-ZERO
Desenvolvido na sua totalidade a nível interno
Shimizu-san, foste o diretor do F-ZERO original.
Sim. Fui o diretor, mas também trabalhei na arte do jogo.
Nos dias da Super NES, era normal trabalhar em várias áreas. Portanto, mesmo sendo diretor, era possível trabalhar com outras pessoas nas pistas e pensar nos carros de corrida.
Quando é que começaste a trabalhar no projeto?
Comecei a trabalhar no desenvolvimento de F-ZERO quatro anos depois de começar a trabalhar na empresa.
Nishida-san, foste o programador principal. Em que ano é que começaste?
Acho que foi no meu terceiro ano.
O que fazias antes de F-ZERO?
Havia uma coisa chamada Disk Writer para a Famicom...
Disk Writer era uma máquina que oferecia um serviço capaz de copiar jogos novos para a Family Computer Disk System.1 Na altura, podia ser instalado em todo o tipo de lojas.
1. Family Computer Disk System: Um periférico para o sistema Famicom lançado a fevereiro de 1986 no Japão. As disquetes usadas no sistema permitiam que os jogadores usassem os terminais Famicom Disk Writer para copiar jogos novos Este sistema só foi vendido no Japão.
Certo. Eu fiquei encarregue da programação para a conversão de dados desse serviço.
E, depois de F-ZERO, veio The Legend of Zelda: A Link to the Past.2
2. The Legend of Zelda: A Link to the Past: Um jogo de ação e aventura incluído na Nintendo Classic Mini: Super Nintendo Entertainment System. Foi originalmente lançado no Japão a novembro de 1991 e na Europa a setembro de 1992.
Sim. Antes de aparecer o logótipo de Legend of Zelda, aparece um símbolo poligonal rotativo da Triforce. Fui eu que programei isso.
Criaste essa cena icónica?
Sim. Na altura, estava a começar a fazer experiências com polígonos: acreditava-se que viessem a ser a principal tecnologia do futuro. Essa cena foi a primeira vez que a Nintendo usou polígonos num jogo.
Há bastante tempo, Shigeru Miyamoto disse numa entrevista que a Nintendo recorreu a estúdios de produção externos para fazer a maioria da programação antes da Super NES.
É verdade.
Foi assim até serem capazes de fazer a sua própria programação, por volta da altura de F-ZERO.
Fui o primeiro do departamento a que pertencia na altura, o de Análise e Desenvolvimento de Entretenimento (EAD).
Foste o primeiro programador do EAD.
Portanto, F-ZERO foi desenvolvido internamente na sua totalidade.
Quantas pessoas trabalharam no jogo?
Contando comigo, éramos três programadores.
Havia outros que tratavam dos planos de fundo, portanto, no total, éramos uma equipa de oito pessoas.
Éramos nove, contando com o produtor, Miyamoto-san.
Portanto, não havia muitas pessoas a trabalhar em F-ZERO. Imamura-san, eras designer na altura. Estavas na empresa há quanto tempo?
Foi no meu primeiro ano. Quando entrei na empresa, o projeto F-ZERO já tinha começado.
Isso significa que F-ZERO foi o teu primeiro trabalho?
Sim.
Quando é que te juntaste à Nintendo?
Em 1989, no ano antes de a Super Famicom ser lançada no Japão. Quando me juntei, o Miyamoto reuniu alguns dos novos funcionários e disse que iríamos trabalhar na nova consola. Ainda hoje me lembro de como fiquei feliz com isso.
Implacavelmente criticados
Como é que teve início o desenvolvimento de F-ZERO?
Inspirámo-nos em Famicom Grand Prix: F1 Race3, para a Famicom, um jogo de corridas com uma perspetiva aérea. Fizemos uma sequela e mostrámo-la à equipa da Nintendo of America, mas eles criticaram implacavelmente o jogo!
3. Famicom Grand Prix: F1 Race: Um jogo de corridas lançado para o Family Computer Disk System em outubro de 1987. Só foi vendido no Japão.
Trabalharam imenso no jogo, mas eles não gostaram.
Disseram: "Isto não é um jogo de corridas! Os carros de corrida têm de ser mais fixes!" Disseram até que nunca iria vender, o que me deixou muito aborrecido!
Acordou o teu espírito de guerreiro? (risos)
Sim. (risos) Pensei: "Bem, se é isso que pensam, então vou criar algo mesmo fixe!" E, enquanto estava na América, o filme Batman4 estava a ser um êxito enorme.
O filme do Batman realizado por Tim Burton. Estreou no ano em que me juntei à Nintendo.
4. Batman: Um filme americano lançado em 1989, com Michael Keaton no papel de Batman e Jack Nicholson no papel de Joker.
Durante a minha estadia na América, comprei alguns volumes da banda desenhada do Batman e depois regressei ao Japão. E foi nessa altura que o Nishida estava a fazer experiências com um jogo de corridas.
Nishida-san, que experiências eram essas?
Na altura, demos vários temas a alguns jovens programadores para fazerem experiências com as funcionalidades da Super NES. O meu tema era um jogo de corridas que usasse o Mode 7.5
5. Mode 7: Um modo gráfico que permite usar funções como o dimensionamento e a rotação de planos de fundo.
A Super NES tinha vários modos para o processamento de gráficos.
Sim, os modos iam do 0 ao 7. E o Mode 7 permitia o dimensionamento e a rotação de planos de fundo, uma característica da Super NES.
O Nishida usou o Mode 7 para girar quatro quintos da parte inferior do ecrã e mostrar a paisagem distante no quinto de ecrã que restava. Quando vi aquilo, pensei: "É mesmo isto!"
Pensaste que se podia usar isso para criar um jogo de corridas fixe.
Exato. Pensei que íamos chocar toda a gente se usássemos isso para fazer um jogo de corridas!
"Tem de ser futurista!"
Imamura-san, na altura já tinhas entrado para a Nintendo?
Acho que isso aconteceu logo a seguir a ter entrado. Lembro-me do quão surpreendido fiquei quando vi a demonstração.
Nessa altura, já mostrava alguma coisa, como os carros de F-ZERO?
No início, tinha veículos com rodas grandes desenhados pelo Shimizu-san. Eram como os carros de brincar da Hot Wheels6.
Sim, sim... os Hot Wheels!
6. Hot Wheels: Uma marca de carros em miniatura produzidos pela empresa americana Mattel. A Mattel já introduziu milhares de modelos desde o surgimento da marca em 1968.
Porque é que esses carros se transformaram nos carros do futuro de F-ZERO?
Isso aconteceu porque tinha em mente um mundo futurista como o que era mostrado no filme do Batman. No entanto, os pneus iriam dificultar imenso as coisas.
Queríamos virar os pneus, mas isso teria sido extremamente difícil com a tecnologia da altura.
Eu estava a fazer arte pixelizada para cada um dos carros. Para além disso, tinha de os criar com padrões diferentes para quando fossem vistos de vários ângulos. O número total de fotogramas só para isso era gigantesco!
Hoje em dia, podíamos limitar-nos a criar polígonos e a girá-los, mas, na altura, ainda não os podíamos usar.
Se tentassem fazer com que os pneus se movessem, o número de imagens pixelizadas aumentaria ainda mais.
Sim, drasticamente. Mas depois descobrimos que não íamos precisar disso se removêssemos os pneus. (risos)
Portanto, decidimos livrar-nos dos pneus e fazer com que os carros flutuassem. (risos)
Afinal de contas, o jogo passa-se no futuro! (risos)
(risos)
Mas tivemos outras razões para o estabelecermos no futuro. Por exemplo, não conseguíamos processar edifícios a três dimensões. Mas, se tivéssemos uma pista a flutuar no ar com a cidade bem abaixo dela, não teríamos de mostrar as sombras dos edifícios, entre outras coisas. Por isso é que escolhemos o futuro!
Sim, é verdade.
E tivemos de preparar curvas com vários ângulos, de curvas largas a apertadas, por isso considerámos alinhar as bermas com algo que fosse redondo.
Alinhámos objetos redondos e decidimos chamá-los "Guard Beam" (feixe de proteção).
Tem um nome fixe, mas resultou de um atalho desesperado! (risos)
Sim! Como são redondos, são iguais vistos de qualquer ângulo! (risos)
Outra vantagem é que podíamos criá-los a partir de poucos elementos.
Estabelecer o jogo no futuro permitiu-vos usar uma variedade de truques criativos.
Sim!
A remoção da parede invisível
Os carros de F-ZERO alcançam velocidades acima dos 400 quilómetros por hora.
Era essa a ideia que tínhamos enquanto trabalhávamos no jogo.
Para além dessa sensação de velocidade, o que também tornava o jogo divertido era a surpresa que sentíamos quando dávamos um salto enorme para aproveitar um atalho. Esta mecânica de jogo foi planeada desde o início?
Planeámos algumas...
O jogo teve uma parede invisível no ar até chegarmos a meio do desenvolvimento do projeto.
Mas assim não seria possível fazer esses saltos incríveis.
Sim. Também existia para que não pudesses sair da pista.
É verdade! Havia uma parede invisível...
Já te recordas? Lembro-me disso porque, quando ainda tínhamos a parede, sentia que faltava alguma coisa ao jogo. Mas assim que retirámos a parede, comecei a sentir que tínhamos um jogo fantástico nas mãos!
Os atalhos tornaram-se possíveis quando removeram a parede invisível e criaram as Jump Plates (rampas de salto).
É verdade. Fizemos várias verificações detalhadas às pistas e decidimos os sítios onde ficariam bem os atalhos.
Mas se saíres da pista...
Explodes! (risos) E queríamos que as explosões tivessem um grande impacto, por isso fizemos com que o som fosse o mais alto possível.
Remover a parede invisível expandiu largamente as possibilidades de jogabilidade.
Miyamoto sugeriu que removêssemos a parede, e eu acredito que isso transformou F-ZERO.
Nishida-san, lembras-te de alguma coisa em particular durante o desenvolvimento?
A Rocket Start (partida foguete).
A Rocket Start é uma técnica em que colocas o teu carro à frente antes do sinal de partida e deixas que o veículo que está atrás vá contra ti, dando-te assim um avanço inicial.
Certo. Por acaso, isso começou por ser uma penalização, mas depois evoluiu para um truque.
Começou como um mau arranque.
Como é que acabaram por incluir isso?
Em Famicom Grand Prix: F1 Race, se premires o botão para acelerar antes do sinal de partida, os pneus simplesmente giram sem que saias do sítio. Recebemos instruções para incluir essa mesma penalização, mas os carros em F-ZERO não têm pneus, certo? (risos)
(risos) Não têm pneus, portanto, não os conseguem pôr a girar!
Por isso, implementámos o sobreaquecimento do motor. Se premires o botão para acelerar antes do sinal de partida, o motor falha, a potência diminui drasticamente e os teus rivais ultrapassam-te a toda a velocidade. Pelo menos, era essa a intenção.
Mas se o veículo que está atrás de ti te empurrar...
De repente, saltas para a liderança! (risos)
Quanto vi isso pensei: "Se calhar, isto não faz mal!"
Sabias que isso ia acontecer antes do lançamento.
Sim. Achei que os jogadores iam gostar mais do jogo com o Rocket Start.
O rosto da Super NES?
Mudando de assunto, gostava de vos fazer algumas perguntas sobre as personagens. O Captain Falcon e as outras personagens não aparecem no jogo, portanto, como é que surgiram?
Lembro-me de começarmos a pensar em várias coisas depois de concluirmos o jogo.
Nunca pensaram em personagens durante o desenvolvimento?
Não. O Captain Falcon era originalmente a mascote da Super NES.
O quê?
É um pouco chocante, não é? (risos)
Sim! (risos) Nunca ouvi dizer que o Captain Falcon era a mascote da Super NES.
A maioria das pessoas que trabalha na Nintendo não sabe disso. Quando o desenvolvimento de F-ZERO estava quase a terminar, eu estava a trabalhar em algumas ilustrações e alguém mencionou a necessidade de criar uma mascote para a Super NES, com um nome de Captain Something (Capitão Qualquer Coisa).
Captain Something? (risos)
Portanto, comecei a pensar numa personagem que combinasse com as cores do comando da Super Famicom, em vermelho, azul e amarelo.
Como é que o Captain Something, símbolo da Super NES, se tornou no Captain Falcon de F-ZERO?
Não me lembro.
Trouxe alguns materiais de referência. Estas são as especificações que o Shimizu criou.
Que pasta enorme! Isto é tudo material de referência de F-ZERO?
Sim, é tudo só para F-ZERO. Como era o programador, recebia tudo.
(folheando a pasta) Estão aqui os mapas das pistas!
Uau!
Até o Shimizu-san está surpreendido! (risos) Quantos anos é que se passaram desde que viste isto?
Cerca de 25 anos! (risos) Está aqui o meu carimbo com a data. Diz "Ano 1", o primeiro ano da era Heisei.
Corresponde ao ano 1989 do calendário ocidental.
E a 6 de setembro já estava a trabalhar na empresa há cerca de cinco meses.
E aqui está uma ilustração do Captain Falcon feita pelo Imamura.
Segundo a contar da esquerda? Parece estar um pouco diferente... Tem um cigarro na boca!
Desenhei isto mesmo no início. Também trouxe alguns materiais.
Isto era a banda desenhada incluída no manual do jogo de F-ZERO.
Sim. Estes são os rascunhos. Originalmente, ele era o Captain Something, mas depois começámos a falar sobre o que fazer para a embalagem de F-ZERO e eu tentei desenhar algo ao estilo de uma banda desenhada americana.
Quando a mostrámos à Nintendo of America, a reação foi extremamente positiva. Depois tivemos todo o tipo de ideias, como incluí-la no manual do jogo.
Portanto, uma personagem criada originalmente para a Super NES tornou-se, de repente, o rosto de F-ZERO.
Pelo menos, é o que eu acho que aconteceu.
A banda desenhada mostra uma parte do mundo do jogo que não podíamos explicar no próprio jogo. E eu gosto da maneira como termina mesmo antes do início de uma corrida.
Fiz um bom trabalho para alguém que só estava a trabalhar na empresa há um ano, não fiz? (risos)
(risos)
"Isso são polígonos?"
Quanto tempo é que demorou o desenvolvimento do jogo, desde o início até à sua conclusão?
Cerca de ano e meio?
Sim, perto disso.
Qual foi a receção do jogo quando foi lançado em simultâneo com a Super NES?
Na altura, os distribuidores tinham algo chamado Shoshinkai.7
7. Shoshinkai: Uma organização consistida maioritariamente pelos distribuidores principais da Nintendo. Distribuía produtos da Nintendo e organizava exposições de videojogos. Foi dissolvida em 1997.
Na altura, a Shoshinkai organizava uma exposição quase todos os anos.
F-ZERO foi mostrado pela primeira vez na exposição antes de a Super NES ser lançada. Tínhamos perto de dez consolas para o lançamento de Super Mario World e duas para F-ZERO.
Duas não são muitas.
Acho que era essa a escala dos eventos na altura. E havia filas incríveis para experimentar o jogo. Eu estava lá para explicar, quando um jovem funcionário de outra empresa criadora de jogos apareceu, muito entusiasmado, e perguntou: "Isso são polígonos?" (risos)
Perguntaram-me a mesma coisa. (risos) Claro, eu respondi: "Não, não são."
Suponho que as pessoas que viram F-ZERO antes do lançamento da Super NES sentiram que era um avanço incrível.
Sim. Acho que não existia nada assim nem em salas de jogos.
Portanto, tiveram uma receção considerável ainda antes do lançamento.
Sim. Pensei que iria ser bem recebido.
Depois do lançamento, a funcionalidade de gravar os melhores tempos de pista tornou-se bastante popular.
É verdade. Especialmente para Mute City.
Queres sempre tentar reduzir o teu melhor tempo de corrida, nem que seja um centésimo de segundo.
Por exemplo, se houver um espaço pequeno entre o Guard Beam e um trecho de terra, um corredor mais arrojado pode aproveitar esse espaço. Sabíamos que estas manobras eram logicamente possíveis, mas ninguém da equipa tentou fazê-las.
No início, imaginávamos os Boosts (turbos) como uma forma de atravessar terra. Parecia uma manobra milagrosa! (risos)
E foi por causa disso que tentar obter os melhores tempos das pistas se tornou incrivelmente popular. Claro que não fazia mal nenhum, mas ninguém jogava noutra pista que não Mute City! Eu queria que corressem em todas as pistas! (risos)
Sim, suponho que sim. (risos)
Há uns anos, houve uma atualização para o tempo mais rápido de Mute City. Pela primeira vez em mais de uma década, alguém quebrou um recorde e isso tornou-se novamente tema de conversa.
O lançamento da Nintendo Classic Mini: Super Nintendo Entertainment System pode ser a ocasião para as pessoas estabelecerem mais recordes.
Talvez. Tenho grandes expetativas!
Não percas a terceira parte desta série de entrevistas, disponível em breve: Super Metroid!
Descobre mais sobre os jogos clássicos incluídos na Nintendo Classic Mini: Super Nintendo Entertainment System com as nossas entrevistas aos criadores!
1.ª parte: Star Fox + Star Fox 2
A Nintendo Classic Mini: Super Nintendo Entertainment System será lançada a 29 de setembro. Consulta o teu fornecedor local para obteres mais informações acerca da disponibilidade imediata.