Entrevista com os criadores – Edição 11: Super Mario Bros. Wonder – Capítulo 1
25/10/2023
Alguns vídeos e imagens aqui apresentados foram criados durante o desenvolvimento do jogo.
O conteúdo deste artigo foi publicado originalmente em japonês.
Nesta nona edição de "Entrevista com os criadores", uma série de entrevistas em que vários criadores da Nintendo transmitem, nas suas próprias palavras, o que pensam sobre o desenvolvimento de produtos e os pontos específicos mais críticos para cada um, falamos com alguns dos criadores por detrás de Super Mario Bros. Wonder, já disponível para a Nintendo Switch, totalmente localizado em português.
Capítulo 1: O tema da "transformação"
Antes de mais, poderiam apresentar-se de forma sucinta?
Tezuka:
Olá. Chamo-me Takashi Tezuka. Há muito tempo que estou envolvido de várias formas em jogos Mario em 2D (1), mas juntei-me a este título como produtor. Este é o 39.º ano em que estou envolvido no desenvolvimento de jogos Mario.
(1) Termo que se refere a um jogo de plataformas de deslocação lateral em 2D da série Super Mario. Por outro lado, os jogos Mario em 3D são os jogos de plataformas Mario nos quais o Mario se desloca num espaço tridimensional.
Mouri:
Olá, chamo-me Shiro Mouri. Fui diretor de programação de New Super Mario Bros. U (2) e diretor de New Super Mario Bros. U Deluxe. Neste título, voltei a desempenhar o papel de diretor.
(2) Um jogo para a Wii U lançado em novembro de 2012 na América do Norte e na Europa. Este jogo de plataformas de deslocação lateral em 2D oferece uma experiência de jogo única no Wii U GamePad, que pode ser usado como segundo ecrã com funcionalidade de ecrã tátil. Os Yoshis, dotados de várias habilidades, constituem um ótimo apoio nesta aventura. New Super Mario Bros. U Deluxe para a Nintendo Switch, que incluiu novas personagens e New Super Luigi U, foi lançado em janeiro de 2019.
Hayashida:
Olá! Chamo-me Koichi Hayashida e trabalhei no design do jogo. Desempenhei o papel de diretor em jogos como Super Mario 3D World (3) e de produtor em Super Mario Odyssey (4) e noutros jogos. A minha missão neste projeto foi aplicar a experiência que adquiri no desenvolvimento de jogos Mario em 3D a um jogo Mario em 2D.
(3) Um jogo para a Wii U lançado em novembro de 2013. Neste jogo de plataformas em 3D, até quatro jogadores podem explorar o Reino das Anafadas, uma terra cheia de surpresas onde transformações, como o Mario Gato e o Duplo Mario, foram introduzidas. Super Mario 3D World + Bowser's Fury, que inclui novos modos, foi lançado para a Nintendo Switch em fevereiro de 2021.
(4) Um jogo para a Nintendo Switch lançado em outubro de 2017. Neste jogo de plataformas em 3D, os jogadores juntam-se ao Mario e ao Cappy, o seu aliado em forma de chapéu, numa aventura pelo mundo, explorando ruínas antigas, grandes cidades e muito mais.
Sato:
Olá, chamo-me Masanobu Sato e sou o diretor de arte deste jogo. A primeira vez que estive envolvido no desenvolvimento de jogos Mario em 2D foi quando criei a animação para os Koopalings, os bosses em New Super Mario Bros. Wii (5). Tenho estado envolvido enquanto chefe de design desde New Super Mario Bros. U.
(5) Um jogo para a Wii lançado em novembro de 2009 na América do Norte e na Europa. Neste jogo de plataformas de deslocação lateral em 2D, foram introduzidas novas transformações como o Mario Hélice, o Mario Gelo e o Mario Pinguim.
Kondo:
Olá, chamo-me Koji Kondo. Enquanto diretor de som deste título, fui o responsável pela nossa abordagem ao som e por tomar a decisão final relativamente à sua qualidade. Também compus uma parte da música do jogo. Estou envolvido em jogos Super Mario desde o primeiro jogo para a Nintendo Entertainment System (6).
(6) Uma consola de videojogos lançada em 1986 na Europa. Trazia dois comandos incluídos, com botão direcional e botões A e B. Os jogadores podiam trocar os cartuchos para jogar uma variedade de títulos.
Muito obrigado. Mouri-san, podia fazer uma breve introdução a este novo jogo, Super Mario Bros. Wonder?
Mouri:
Claro. Super Mario Bros. Wonder é o primeiro lançamento totalmente novo da série Super Mario Bros. de deslocação lateral desde há quase 11 anos. Sempre que apanhamos o novo item, a flor fenomenal, o nível e a sua jogabilidade transformam-se dramaticamente e ocorrem vários "fenómenos" que seriam inconcebíveis em títulos anteriores na série.
Já passaram quase 11 anos desde o lançamento do título anterior, New Super Mario Bros. U.
Mouri:
Sim. Embora Super Mario Maker (7), Super Mario Maker 2 e New Super Mario Bros. U Deluxe tenham sido lançados após o lançamento do título anterior, este é o primeiro jogo Mario em 2D nos últimos quase 11 anos.
(7) Um jogo para a Wii U lançado em setembro de 2015. Neste jogo de plataformas em 2D, os jogadores podem criar e jogar nos seus próprios níveis ao combinarem várias peças. A sequela, Super Mario Maker 2, foi lançada para a Nintendo Switch em junho de 2019.
Como surgiu a ideia para este jogo, que está a ser preparado há muito tempo?
Tezuka:
Eu já estava a pensar em que tipo de jogo Mario devíamos fazer a seguir quando estávamos a desenvolver o Super Mario Maker 2. Nessa altura, alguns jornalistas e jogadores diziam que Super Mario Maker tinha eliminado a necessidade de outro jogo Mario em 2D. No entanto, eu disse várias vezes que o próximo jogo Mario seria completamente diferente de Super Mario Maker, pelo que não havia motivo para preocupação. Em retrospetiva, esse tipo de opiniões pode ter sido o que me motivou a arranjar ideias para este jogo.
Então, durante o desenvolvimento de Super Mario Maker 2, já estavam confiantes de que conseguiriam criar algo totalmente diferente.
Tezuka:
Bem, sim.
Hayashida:
Não, não, eu não estava! (Risos) Os jogadores criaram tantos níveis novos em Super Mario Maker e Super Mario Maker 2 que receei que não conseguíssemos criar algo diferente do que havia sido feito... Mas, aparentemente, o Tezuka-san achou que não havia problema. (Risos)
Tezuka:
Sou um otimista. (Risos)
Mouri:
Bem, eu não me sentia otimista, mas estava mais focado em criar algo totalmente diferente da série New Super Mario Bros. do que em comparação com Super Mario Maker.
Hayashida:
Sim, lembro-me de o Mouri-san dizer, nas fases iniciais do desenvolvimento, que não devíamos usar o mesmo motor de jogo usado na série New Super Mario Bros., mas antes criar um motor de jogo novo que servisse de base para os futuros jogos Mario em 2D. Felizmente, o Tezuka-san também nos disse para darmos prioridade ao conteúdo em detrimento do calendário.
Tezuka:
Queríamos criar um jogo com muito mais para oferecer do que nunca, por isso, desta vez, não definimos um período fixo para o desenvolvimento, algo que normalmente decidimos antes de começarmos. Para criar algo verdadeiramente divertido, decidimos demorar o tempo que fosse preciso e dedicar um orçamento generoso para o desenvolvimento, sem termos de nos preocupar com o calendário de produção. Assim, no início, tínhamos apenas um grupo pequeno a trabalhar no desenvolvimento.
Com um número reduzido de pessoas e sem um prazo estabelecido, imagino que a equipa de desenvolvimento se tenha sentido um pouco desconfortável. Tinham uma direção clara relativamente ao que queriam alcançar?
Hayashida:
O Tezuka-san atribuiu-nos a tarefa de criar um jogo Mario cheio de surpresas e fenómenos escondidos.
Mouri:
Quando penso na primeira vez que joguei Super Mario Bros. (8) original, lembro-me de sentir que estava cheio de surpresas e fenómenos escondidos. Apareciam moedas quando batíamos nos blocos e o corpo da personagem crescia com os supercogumelos. Nessa altura, tudo era novo e estava recheado de alegrias inesperadas. No entanto, agora que os jogadores já desfrutaram dos títulos Super Mario durante muitos anos, estas coisas tornaram-se de certa forma triviais. Foi por isso que o objetivo do Tezuka-san foi criar momentos que surpreendessem e fascinassem até os jogadores de hoje em dia.
(8) Um jogo lançado em 1987 para a Nintendo Entertainment System. É o primeiro título da série Super Mario, que continua até hoje.
Hayashida:
O que era fascinante nessa altura já não é fascinante hoje, nem para os jogadores nem para nós, os criadores.
Mouri:
Mas a realidade de ter de criar algo que provoque uma sensação de fascínio num público atual foi bastante difícil. Criámos muitos protótipos, mas como a equipa de desenvolvimento era pequena nessa altura, demorámos algum tempo a encontrar a essência do que queríamos alcançar.
Tezuka:
Os jogos Mario em 2D anteriores tinham variações de desafios que se tornavam cada vez mais difíceis à medida que os jogadores progrediam. No entanto, decidimos que, desta vez, não nos íamos focar em criar variações desse tipo, mas antes em oferecer um grande número de surpresas que achámos que seriam divertidas. Muito sinceramente, eu queria incluir pelo menos um elemento em cada nível que surpreendesse ou encantasse os jogadores. Por isso, decidi recorrer ao Hayashida-san, que tinha estado envolvido no desenvolvimento de jogos Mario em 3D, e perguntei-lhe como é que incluía tais elementos em Super Mario Odyssey.
Hayashida:
Os jogos Mario em 3D são por vezes descritos pelos meios de comunicação e pelos jogadores como "caixas de ideias", pelo que decidi aplicar algumas das ideias que usámos para criar jogos Mario em 3D a um jogo Mario em 2D. Com isto em mente, decidimos realizar uma sessão de partilha de ideias. Toda a gente, de programadores a designers, passando por designers de som, se juntou e anotou ideias de jogabilidade em notas adesivas, que podiam não estar relacionadas com a sua área de especialização, e criámos protótipos na hora. Havia tantas ideias. Antes desta entrevista, contei o número de notas adesivas que tínhamos — eram mais de 2000! (Risos)
Mouri:
O Sato-san propôs a ideia de os jogadores serem transportados para outro mundo quando apanhassem um objeto. Esta foi a ideia que ele teve.
Quando eu jogava Super Mario Bros. na NES, ficava maravilhado com o facto de podermos ser transportados para outros sítios. Podíamos ir para o subsolo ao entrar num cano ou alcançar o céu ao subir por trepadeiras que apareciam quando batíamos num bloco. Por isso, queria usar esta ideia para criar um jogo com novos fenómenos.
Lembro-me de ficar extremamente empolgado quando entrava num cano e era transportado para outro sítio. Qual foi a reação de Tezuka-san a esta ideia?
Mouri:
O Tezuka-san disse: "Ser transportado para outro sítio não seria diferente dos outros jogos. Não podemos fazer com que o próprio nível se transforme sem que os jogadores tenham de ser transportados?" Eu respondi: "Não, não, como é que isso seria sequer possível?" (Risos)
Hayashida:
Também pensei que pedir que o próprio nível se movesse fosse pedir o impossível. (Risos) Mas depois lembrei-me de que tínhamos tido a ideia de torcer e dobrar os canos, pelo que criámos um protótipo que acabou por tornar-se uma mecânica de jogo bastante interessante.
Imagens do desenvolvimento.
Mouri:
Isto fez-me pensar: "vamos fazer mudanças enormes que seriam impensáveis em jogos Mario em 2D anteriores!"
Torcer e dobrar canos são certamente coisas que nunca vimos em jogos Super Mario anteriores. Foi assim que o conceito de Super Mario Bros. Wonder começou?
Mouri:
Sim. Criámos muitos protótipos e, quando finalmente descobrimos a "essência" deste jogo, a equipa ganhou confiança e começou a progredir. Esta abordagem é um pouco drástica, mas, primeiro, temos de levar tudo ao extremo. Se acharmos que fomos longe demais, podemos fazer ajustes mais tarde.
Kondo:
Também contribuí com muitas sugestões na sessão de partilha de ideias.
Também partilhou ideias, Kondo-san?
Kondo:
Sim. Partilhei a ideia de criar um Mario com oito cabeças de altura, com proporções realistas, em tamanho real e imagem real a cantarolar ao som da música de fundo enquanto passeia.
Um Mario em tamanho real, com oito cabeças de altura?!
Kondo:
Sim. Quando ele saltasse, diria para si próprio: "Boing!" No entanto, a ideia nunca foi usada.
Todos:
(Risos)
Kondo:
Senti que tinha de assumir a liderança no que toca a chegar ao extremo. (Risos)
Se calhar, um Mario em tamanho real, com oito cabeças de altura seria ir longe demais, mas estou a entender como expandiram a jogabilidade através de tentativa e erro. No entanto, se levarem uma ideia longe demais, pode romper com os padrões que estabeleceram ao longo do tempo para o universo dos jogos Mario em 2D. Tiveram esta preocupação de uma perspetiva da direção de arte?
Sato:
Sim, há alguns desvios das regras do universo Mario que vimos no passado. Por exemplo, todos sabemos que os canos são sólidos, pelo que estamos confiantes de que, se pontapearmos uma carapaça contra um cano, ela irá ressaltar. Também sabemos que podemos saltar para cima dos canos em segurança. Manter este sentimento de confiança num jogo Mario em 2D de deslocação lateral foi crucial.
Depois, surgiu a ideia de torcer e dobrar canos...
Sato:
Sim. Mas não queríamos desistir de uma ideia na qual as pessoas tinham gastado muita energia a criar apenas porque não encaixaria ou não pareceria correto. Por isso, esforçámo-nos muito para criar um mundo que pudesse incorporar esta ideia. Decidimos incorporar esta grande transformação como um fenómeno misterioso chamado "efeito fenomenal" e usar gráficos não convencionais.
Hayashida:
A partir dessa altura, realizámos reuniões acerca de protótipos de fenómenos, nas quais selecionámos ideias a partir de mais de 2000 notas adesivas e outros materiais produzidos na sessão de partilha de ideias e criámos protótipos compatíveis com o mundo do Wonder. Foram incorporadas várias ideias no jogo à medida que fomos avançando.
Kondo:
Também tivemos esta grande transformação em mente quando criámos o som. Para fazer com que o som de ativar os efeitos fenomenais fosse menos convencional, usámos muitas músicas de fundo com ritmos rápidos. Também tornámos mais dinâmicos os sons e os efeitos sonoros ambientais para proporcionar uma sensação de mudança total em relação ao nível normal. A música de fundo dos níveis também foi reformulada. Em vez dos sons semelhantes a sintetizadores analógicos (9) usados em New Super Mario Bros. (10), incorporámos os sons de instrumentos musicais e sintetizadores digitais (11) para introduzir um género musical nunca antes ouvido na história de Mario.
(9) Um instrumento que sintetiza sons usando circuitos eletrónicos. Gera sons simples como os que são usados nos jogos para a Super NES.
(10) Um jogo para a Nintendo DS lançado em junho de 2006 na Europa. Apenas são necessários controlos simples, usando o botão direcional + e dois botões (A e B), para desfrutar deste jogo de plataformas de ação em 2D de deslocação lateral.
(11) Um instrumento que sintetiza som ao processar digitalmente dados de som usando um computador. Gera sons nítidos e variados.
Mouri:
Agora que penso nisso, lembro-me de o Kondo-san falar sobre esta "grande transformação" na reunião de partilha de ideias, mesmo antes de termos alinhavado o conceito dos efeitos fenomenais.
Kondo:
Hum? Ai falei?
Mouri:
Sim, foi quando a ideia do Mario Elefante surgiu. Estávamos a experimentar a ação de borrifar água e a testar ideias para espalhar água e o Kondo-san disse: "Não seria melhor transformar todo o ecrã mais drasticamente, de modo a termos uma chuva intensa?"
Kondo:
Ah, sim, eu realmente disse isso.
Hayashida:
Senti que transformar todo o ecrã encaixava bem com o tema da "transformação" do Tezuka-san. Há um mundo de Mario que o Tezuka-san e o Kondo-san têm em mente e, se não tivermos uma compreensão clara da sua visão, pode parecer que estão a pedir o impossível. No entanto, há um objetivo claro no final.
Sato:
Tenho a certeza de que, do ponto de vista do produtor, ele sabia que os jogadores não notariam uma grande diferença se não fizéssemos algo tão drástico como o que ele pediu. Acredito que ele não queria que fizéssemos simplesmente o que nos tinha sido pedido, mas sim que arranjássemos as nossas próprias ideias em linha com a sua visão. Eu estava sempre a pensar na sua intenção enquanto trabalhava neste jogo.
Mouri:
Em retrospetiva, "pedir o impossível" era exatamente o que precisávamos.