Quais foram os primeiros projetos em que trabalharam juntos?
Eram projetos relacionados com mediadores11 e um motor 3D multiplataformas em tempo real12.11. Mediador: software que funciona entre o sistema operativo do computador (SO) e uma aplicação que oferece várias funcionalidades.12. Motor 3D multiplataformas em tempo real: uma espécie de ferramenta de desenvolvimento de videojogos que permite gráficos 3D de elevada qualidade em múltiplos e diferentes consolas de jogo. Os membros da NERD formaram uma das primeiras equipas a antecipar a procura de uma tal ferramenta e começaram a trabalhar nisso logo em 1997.
Nessa altura, ainda nem havia termos como “mediador” e “motor multiplataformas”. Não sabias o que chamar àquilo em que estavas a trabalhar, sabias apenas que se tratava de algo que ia dar jeito. Deve ter sido difícil fazer negócio nessas condições, sem poderes explicar o que era uma determinada coisa até estar terminada. E, apesar de agora lhe chamarmos motor multiplataformas, naquela altura esse nome ainda não existia.
Sim. (risos) Estávamos a começar a perguntar-nos por que razão não conseguíamos vender os nossos produtos. Achávamos que talvez não fossem suficientemente bons de um ponto de vista técnico e, por isso, continuámos a trabalhar com o intuito de melhorá-los, mas as vendas nunca chegaram a subir. No final, ocorreu-nos que talvez pudesse ser um problema empresarial. Demorámos muito tempo a perceber isso.
Andaram à procura de respostas para o vosso problema no plano técnico e desconsideraram a estrutura do negócio. Tive exatamente a mesma experiência há muito tempo. Apesar de ser algo que recordo com vergonha, naquela altura as criações de Miyamoto-san13 vendiam muito melhor do que as minhas, mas eu não conseguia perceber porquê pois achava que as minhas eram tecnicamente iguais. Mas o aspeto técnico não era o único problema. Agora já percebo, mas, na altura, só estava a tentar tornar as minhas criações ainda mais perfeitas no plano técnico. Então, a Mobiclip seguiu em frente e, a certa altura, cruzou-se com a Nintendo. Acho que foi aqui que conheceste o Okada-san14, não foi?13. Shigeru Miyamoto, diretor geral Sénior da Nintendo Co., Ltd.14. Satoru Okada, antigo diretor geral do Departamento de Investigação e Engenharia da Nintendo.
Olhando para trás, vejo que éramos jovens e destemidos, e achávamos que não havia limites para o que podíamos fazer. Estávamos numa feira da indústria no Reino Unido e tínhamos acabado de ver algumas das especificações da Game Boy Advance15, que tinha sido lançada por volta dessa altura. Como a consola era capaz de exibir tantas cores, lembrámo-nos de que podíamos incluir um filme no software. Não sabíamos se seríamos capazes de fazê-lo, mas, pelo menos, tivemos coragem suficiente para nos dirigirmos ao stand da Nintendo e tentarmos encontrar alguém com quem pudéssemos falar. (risos)15. Game Boy Advance: uma consola portátil lançada primeiro no Japão em março de 2001. Foi lançada na Europa em junho do mesmo ano.
Achávamos que não tínhamos qualquer hipótese de conseguir algo dali.
Exato. De repente, vi alguém um pouco distante, que se limitava a andar por ali, mas que parecia trabalhar na Nintendo. Era japonês e vi no seu crachá que era uma espécie de diretor geral, o que me levou a deduzir que era alguém importante. Então, abordei-o e disse-lhe o que tinha a dizer: «Nós achamos que somos capazes de fazer algo fantástico com a Game Boy Advance com base nas especificações! Por favor, dê-nos uma oportunidade para que possamos mostrá-lo!» Mas o meu inglês não era bom o suficiente, além de, muito provavelmente, dever estar a falar demasiado rápido devido à excitação, e Okada-san não percebeu o que lhe disse.
E o teu inglês era provavelmente muito mais francês do que é hoje.
Fiquei muito desiludido. Mas Okada-san deve ter achado alguma parte do que disse interessante porque voltou ao nosso stand. Como a dificuldade de comunicação persistia, decidi escrever números num papel. Escrevi a resolução da Game Boy Advance, a velocidade dos fotogramas e o número de bits por pixel, e dividi por 100. Estava a tentar mostrar-lhe o quanto os dados gráficos podiam ser comprimidos com este cálculo. Quando viu aquela fração juntamente com os números deve ter-se feito luz na sua cabeça porque me disse: «Oh! Boa! Isso é fantástico!» Portanto, a fração dizia tudo.
Não conseguiam comunicar por palavras e tiveram uma conversa por números?
De engenheiro para engenheiro, não há barreiras linguísticas quando se lida com números.
Para mim, isso é realmente fantástico. Não só a vossa coragem em abordar o Okada-san, mas também a coragem dele em pedir-vos que começassem a fazer algo. (risos) Ainda me lembro de quando o Okada-san voltou e me disse: «Conheci algumas pessoas interessantes em França e pedi-lhes que começassem a trabalhar numa coisa para ver o que são capazes de fazer.»
Não sabia que o Okada-san tinha falado contigo sobre nós. (risos)
No início, a empresa ainda se chamava Actimagine16 e o vosso primeiro produto para a Nintendo foi este codec de vídeo17. Os japoneses da área do desenvolvimento ficaram muito surpreendidos quando viram aquele codec de vídeo a funcionar na «paupérrima» CPU da Game Boy Advance. Neste contexto, «paupérrima» significa que a sua arquitetura não era muito boa a executar tarefas do género. Se se tivessem limitado a aplicar um algoritmo de um codec de vídeo convencional19, não teria funcionado.16. Actimagine: e empresa que mais tarde se veio a tornar a Mobiclip e depois a NERD.17. Codec de vídeo: um módulo de hardware ou software que permite comprimir ou descomprimir ficheiros de vídeo.18. Arquitetura: conceito da filosofia de design de hardware e software necessário para o desenvolvimento de programas e sistemas complexos e de alto nível. É aqui usado no sentido de estrutura do hardware de uma consola de jogos.19. Algoritmo: um procedimento que leva um computador a executar um processo.
Na altura, a opinião generalizada no seio da indústria era a de que se quisesses um codec de vídeo, terias de ter hardware. Mas como não tínhamos competências de hardware, tentámos mostrar que éramos capazes de fazer algo diferente.
Então, pode dizer-se que só conseguiram fazê-lo porque não o compreendiam muito bem. (risos) Se achassem que era impossível, talvez nunca tivessem chegado a tentar. Mas a vossa equipa deve ter pensado que, se tentasse, eventualmente encontraria uma forma. Tiveste esta conversa com o Okada-san por números e estavas seguro de que irias encontrar uma forma de fazer com que funcionasse.Acho que ainda existe essa energia na vossa empresa hoje em dia. Vocês são o tipo de pessoas que pegam em coisas que normalmente consideraríamos impossíveis e que fazem com que funcionem.
Na verdade, quando começámos a empresa, tínhamos muita gente a dizer-nos que não iríamos ser bem-sucedidos, que iríamos falhar. Quando ouvíamos isto, limitávamo-nos a dizer: «Vais ver.» É ainda mais entusiasmante atacar um problema que os outros consideram impossível de resolver. Isso motiva-te a ir mais longe, a forçar os teus limites. Nunca ninguém o fez, mas, se eu tentar, talvez consiga fazê-lo. Se for corajoso o suficiente, talvez não o veja como algo impossível.
No fundo, enfrentam os problemas de dois lados: do lado da programação informática e do lado matemático. Esta abordagem é um dos muitos aspetos interessantes da NERD.
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