3. “Fazer as coisas tal como Takumi-san as quer”

Iwata:

Hino-san, há pouco mencionaste que tinhas feito pesquisas sobre Ace Attorney. Queres especificar alguns elementos que tenhas achado particularmente bons?

Hino:

Bem, em primeiro lugar, achei as personagens e a história absolutamente fascinantes. Fiquei bastante impressionado com as formas interessantes e inesperadas através das quais as coisas se desenrolaram.

Iwata:

Isso é sempre a primeira coisa que os fãs da série mencionam, sem falha.

Hino:

Achei que, de certa forma, os jogos estavam sempre um passo à frente das minhas expectativas e dava sempre por mim absorto nos pormenores da história. Outra coisa que me impressionou bastante foi a “apresentação”: as ações das personagens, a sensação de ritmo com a qual as imagens e os sons eram sincronizados… Achei que os jogos apresentavam uma atenção ao detalhe verdadeiramente satisfatória. Como exemplo do que poderia ser feito com jogos para consolas portáteis, tiveram mesmo influência sobre a série Professor Layton.

Iwata Asks
Iwata:

Mas acho que as pessoas que jogaram títulos de ambas as séries não reparariam, à primeira vista, que os títulos Professor Layton se haviam inspirado em Ace Attorney.

Hino:

Tens razão, penso eu. A sensação que têm quando jogam poderá ser semelhante, mas cada um dos jogos conta com uma interface distinta e a sua abordagem geral também é diferente.

Iwata:

Ambos os jogos transmitem uma “sensação” que estabelece uma ligação com os jogadores a um nível mais profundo, isso é certo. O que achaste quando viste os jogos Professor Layton, Takumi-san?

Takumi:

Bem, a minha geração cresceu com os livros Atama no Taisou12, de Akira Tago – acho que consegui resolvê-los todos, já agora –, por isso quando soube da existência da série Professor Layton, achei que estava a fazer algo realmente fantástico. 12. Atama no Taisou: uma série de livros de quebra-cabeças publicada pela Kobunsha. O seu autor, o Professor Akira Tago, desempenhou o cargo de supervisor de quebra-cabeças na série.

Iwata:

É engraçado que fales disso, porque antes do lançamento de Brain Training (no Japão) em 2005, a Nintendo tinha investigado a possibilidade de fazer alguma coisa cujo tema fosse a série Atama no Taisou. No final, foi isso que nos levou a lançar o Big Brain Academy13. Parece que o Hino-san e nós estávamos a trabalhar em sincronia, de certa forma.13. Big Brain Academy: um jogo com atividades para o cérebro lançado no Japão em junho de 2005 para a Nintendo DS.

Takumi:

Oh, a sério?

Hino:

Isto é algo a que aludimos há algum tempo, mas o Professor Layton era um título destinado ao tipo de jogador ocasional que jogava Brain Training. A nossa abordagem a esses jogadores era algo do género “Se já jogaste Brain Training, porque não experimentas agora alguns quebra-cabeças?”

Iwata:

Acho que houve muitos jogadores de Brain Training a comprar o Professor Layton. Penso que esse foi um dos fatores que fizeram com que a série no geral se desenvolvesse da forma como se desenvolveu.

Hino:

Olhando para as coisas desse ponto de vista, Professor Layton e Phoenix Wright são diametralmente opostos no que diz respeito à sua abordagem ao design de jogos. O Professor Layton era destinado a pessoas que normalmente não jogam muito, ao passo que o Phoenix Wright foi feito para fãs de videojogos. Porém, embora a interface que o jogador vê em cada um dos jogos seja bastante diferente, na sua essência são iguais.

Iwata:

Isso é verdade.

Takumi:

Então imagino que este título seja para todos.

Hino:

Exatamente: é destinado a todos os tipos de jogadores.

Iwata:

Nos primórdios da Nintendo DS, imediatamente após o sucesso de Brain Training e More Brain Training14, o mercado da Nintendo DS cresceu exponencialmente, mas tendia a ser bastante parcial relativamente a determinados gostos ou preferências dos jogadores. Agora, com a Nintendo 3DS, graças aos esforços de criadores como tu, sinto que estamos a desenvolver uma plataforma de equipamento adequada para todos. Penso que é uma situação bastante boa, por isso acredito que podemos esperar uma resposta impressionante a este título.14. More Brain Training from Dr. Kawashima: How Old is Your Brain?: um título lançado para a Nintendo DS na Europa em junho de 2007.

Hino:

Também acho que sim.

Iwata:

Avançando... Embora ambos os jogos sejam iguais na sua essência, as duas séries já existiam antes, de forma totalmente independente. Enquanto escritor da história, Takumi-san, deve ter sido difícil unir as duas coisas, não?

Takumi:

Hmm...sim. (risos)

Iwata Asks
Iwata:

Como criaste a história para esta colaboração?

Takumi:

Durante os primeiros seis meses, mais coisa menos coisa, visitava a sede da LEVEL-5 em Tóquio, para ter reuniões presenciais com o Hino-san e outros membros da equipa, e apresentávamos todos várias ideias uns aos outros. Aí desenvolvemos a ideia de julgamentos de bruxas e alguém da LEVEL-5 sugeriu uma história sobre um supervilão que escreve histórias que se tornam realidade. Depois, basicamente fundimos as ideias uns dos outros.

Iwata:

Este processo de “apresentação de ideias” de que falas alguma vez se tornou competitivo? Como uma espécie de batalha de vontades, em vez de um debate?

Takumi:

Não... Pessoalmente, nunca achei que houvesse competição. Era, sim, um pouco diferente daquilo a que estava habituado. Normalmente dedico-me por inteiro a uma história e deixo-me envolver nela profundamente, para além de que tenho controlo total sobre ela. Mas desta vez, as outras pessoas contribuíram com vários elementos e essa foi, penso eu, a maior diferença. Ver outras pessoas a escreverem coisas que eu nunca imaginaria e a contribuírem com todo o tipo de ideias foi uma experiência deveras interessante.

Iwata:

Foram, então, as tuas motivação e energia que colocaram tudo a andar, Hino-san?

Hino:

Bem, o processo de desenvolvimento foi uma coisa na qual todos embarcámos juntos, claro. Do meu ponto de vista, eu estava encarregado de organizar todas as tarefas diferentes para que Takumi-san, o membro principal da equipa, pudesse trabalhar em conformidade com as suas competências e tirar o maior partido dos seus talentos.

Iwata:

Há uma grande diferença entre um título “criado por Takumi-san” e um título “supervisionado por Takumi-san”, não há?

Hino:

Sim, são coisas totalmente diferentes. Numa fase inicial do desenvolvimento, mostraram-me uma demo de um julgamento de Professor Layton vs. Phoenix Wright: Ace Attorney, que havia sido produzida sob a direção de Takumi-san. Neste título há um grande número de coisas que mudaram, mas a demo era verdadeiramente emocionante e deu-me aquela sensação de jogar Ace Attorney pela primeira vez em muito tempo.

Iwata:

Parece que era mesmo possível experienciar a atmosfera de Ace Attorney nessa demo.

Hino:

Sem dúvida que sim. Era bastante “Takumi-esca”. Pareceu-me estar a ganhar forma definitiva! (risos)

Iwata:

“Takumi-esca”! (risos) Quando é que sentiste, pessoalmente, que as coisas começavam a fazer sentido neste projeto, Takumi-san? Tendo em conta o que disseste há pouco, parece que aconteceu bastante cedo.

Takumi:

Na verdade – e provavelmente não deveria estar a dizer isto –, mas acho que só este ano (2012) é que me senti capaz de dar a este projeto tudo o que tinha, só na altura em que as duas empresas começaram verdadeiramente a concentrar-se em criar as respetivas partes do jogo.

Iwata:

Então já foi numa fase bastante tardia do processo de desenvolvimento?

Takumi:

Sim. Pensando bem, apercebo-me de que me permiti adiar todo o tipo de coisas até estar preparado para me comprometer totalmente com o jogo. Agora, arrependo-me bastante disso.

Iwata:

Compreendo.

Takumi:

Quando duas empresas de produção com culturas diferentes trabalham juntas, é natural que na fase inicial de um projeto andem como que a “dançar” em torno uma da outra. Passado algum tempo, porém, a verdadeira natureza de cada uma começa a transparecer e a colidir com a outra. Penso apenas que demora um pouco até esse tipo de conflito real se evidenciar.

Hino:

A minha posição, desde o início até ao fim, foi que faríamos as coisas tal como Takumi-san as quisesse. Muitas vezes a minha equipa tinha opiniões divergentes e eu tinha de dizer-lhes para agirem conforme a vontade de Takumi-san.

Iwata:

Parece-me que a tua tarefa principal enquanto produtor deste título, Hino-san, era dar a Takumi-san liberdade para exercer plenamente a sua criatividade. Concordas?

Iwata Asks
Hino:

Sim, totalmente. Para este título dediquei-me a motivar Takumi-san e a permiti-lo trabalhar de forma a utilizar todas as suas capacidades. Nesse sentido, penso que as coisas começaram a engrenar durante a segunda metade do projeto, como se o Takumi-san ganhasse gradualmente mais energia ou a sua influência aumentasse.