Parece.me que também jogavas imensos jogos arcade.
Sim, jogava. Graças às visitas que fazia ao salão de jogos ao pé da escola preparatória, vivi os anos dourados dos jogos arcade da década de 80 de uma forma especialmente profunda e real. Naquele tempo, sempre que arranjavam uma nova máquina de jogos, ficávamos entusiasmados. Pensávamos «Boa! Já chegou!»
Naquele tempo, quando as pessoas que gostavam de videojogos descobriam que na cidade seguinte havia um jogo novo, ficavam tão entusiasmadas que estavam dispostas a percorrer distâncias significativas para poderem jogá-lo.
A propósito dos meus tempos como aluno do 2.º ciclo, o salão de jogos em frente à estação estava fora dos limites do distrito escolar e os regulamentos da escola proibiam os miúdos de lá irem sozinhos. Se quisesses jogar videojogos, o único sítio em que podias fazê-lo era num cantinho de um túnel de batimento ao pé da escola, mas custava 100 ienes por jogo, ao passo que no salão só custava 50 ienes.
É uma grande diferença! (risos) Não sabias se devias cumprir as regras da escola e pagar 100 ienes ou correr o risco e só pagar 50?
Pois. No início, toda a gente ia ao túnel de batimento. Mas, no segundo ano do 2.º ciclo, um miúdo chamado Machida-kun foi transferido para a minha escola. Macchi (alcunha de Machida-kun) vinha da cidade e era mais sofisticado.
Ah.
E, na mesma altura, ouvi dizer que o túnel de batimento tinha Dragon Buster19. Combinei com os meus amigos jogá-lo no sábado. Perguntei ao Macchi se queria vir connosco e, como se fosse algo normalíssimo, ele respondeu: «O túnel de batimento é caro, vamos antes ao salão de jogos.» E isso provocou um grande rebuliço.19. Dragon Buster: Um jogo arcade de ação lançado pela Namco Limited (atual Namco Bandai Games Inc.) em janeiro de 1985. A versão para a Famicom surgiu em janeiro de 1987.
(risos)
Naquele tempo, os salões de jogos pareciam ser um tipo de sítio frequentado por desordeiros. Foi por isso que toda a gente ficou chocada. Mas também ficámos intrigados com aquele ar de rebeldia. Por isso, pedimos ao Macchi para nos levar ao salão de jogos a que costumava ir.
Ah, ele frequentava o salão de jogos da vossa cidade regularmente? Parece que tu é que tinhas sido transferido de outra escola! (risos)
O Macchi deve ter começado a ir ao salão com alguma frequência quando foi morar para a minha cidade. Fiquei nervoso e fui ao salão de jogos a que ele costumava ir. Nem sabia que jogo havia de escolher quando via os Attract Modes20. Eu sei que só custavam 50 ienes, mas a minha mesada era muito valiosa. Por isso, via os outros jogarem, fazia simulações na minha cabeça e pensava seriamente se não iria arrepender-me de gastar aquele dinheiro.20. Attract mode: Imagens do jogo que passam quando não está a ser jogado.
Isso também é divertido.
Sim. Mas enquanto eu não decidia que jogo havia de jogar, ia ficando escuro lá fora e aparecia alguém a dizer que estava na hora de irmos embora. E ainda não tinha feito nada além de observar. Por isso, tinha de pedir-lhes que esperassem enquanto eu jogava qualquer coisa.
Estou a ver.
O que joguei primeiro foi Road Fighter21, que tinha as regras mais fáceis de entender. Foi a primeira moeda que usei no salão de jogos. Joguei uma vez e fui para casa. Mas, depois disso, os domingos passaram a ser dia de ir ao salão de jogos.21. Road Fighter: Um jogo de corridas desenvolvido pela Konami Corporation, que apareceu nos salões de jogos japoneses em 1984. As pistas são vistas de cima e os jogadores controlam carros que percorrem estradas a altas velocidades, evitando os veículos adversários e obstáculos num esforço para chegar à meta antes de ficar sem combustível.
Como estavas mais descontraído, percebeste finalmente qual era o apelo dos salões de jogos.
Bem, como não estudava, reprovei no exame de entrada no 3.º ciclo, como era de esperar. Mas aquele ano na escola preparatória foi intenso e acabou por estender-se à minha vida no 3.º ciclo.
Estou a ver. Mas jogar videojogos daquela forma, como parte integrante da tua vida, acabou por trazer frutos valiosos.
Sim. Por exemplo, quando são exibidos os itens que colecionaste, em vez de aparecer uma lista com os seus nomes, é muito mais entusiasmante ver gráficos dos próprios itens, como em The Tower of Druaga22. Sem me ter apercebido disso, foi com os salões de jogos simples de antigamente que aprendi esse tipo de inteligibilidade e sensibilidade estética.22. The Tower of Druaga: Um jogo arcade de ação lançado no Japão pela Namco Limited (atual Namco Bandai Games Inc.) em julho de 1984. A versão para a Famicom surgiu em agosto de 1985. Além de cumprirem determinadas condições e de resolverem quebra-cabeças, as personagens dos jogadores têm de colecionar itens escondidos em cada um dos pisos de uma torre de 60 andares com o derradeiro objetivo de resgatar uma donzela encarcerada no último piso. O criador de Xevious, Masanobu Endo, trabalhou no design do jogo.
Acho que é extremamente difícil reparar nesses elementos só jogando os títulos. Mas, a partir do momento em que começas a compreendê-los e manténs essa informação organizada na tua cabeça, passas a ser capaz de aceder a esse conhecimento sempre que for necessário, tal como acabaste de fazer. Como é que adquiriste essa perspetiva?
Hum. Acho que nunca mudei.
Então, sempre tiveste esse conhecimento à tua disposição?
Não, e nem tenho a certeza de que tenho esse conhecimento à disposição agora. Quando fiz Viewtiful Joe23, por exemplo, fui eu quem fez o mapa. E, no início, não consegui fazer nada remotamente divertido.23. Viewtiful Joe: Um jogo de ação de deslocação lateral lançado pela Capcom para a consola Nintendo GameCube no Japão em junho de 2003, e na Europa em outubro do mesmo ano. Caraterizava-se por gráficos ao estilo da banda desenhada norte-americana e pela «VFX Action», que envolvia ações que manipulavam o espaço e o tempo. Tornou-se o primeiro de uma série de títulos e foi transformado numa série de anime para a televisão no Japão.
Viewtiful Joe era um tipo de jogo de ação completamente novo feito para a Nintendo GameCube.
Sim. Comecei a desenvolver esse título quando o meu chefe na Capcom, Shinji Mikami-san24, disse: «Tenta fazer o processo de design sozinho.» Antes disso, tinha estado envolvido com grandes equipas que criaram jogos como Resident Evil 225 e Devil May Cry26. Por isso, essa foi a primeira vez que criei um projeto sozinho e o levei até ao fim.24. Shinji Mikami: Antigo Gestor de Departamento, Departamento de Desenvolvimento 4 da Capcom. Dirigiu e produziu a série Resident Evil até ao quarto título. Atualmente, é produtor executivo da Tango Gameworks.25. Resident Evil 2: Um jogo de ação, aventura e terror lançado no Japão pela Capcom em janeiro de 1998 e na Europa em maio do mesmo ano.26. Devil May Cry: Um jogo de ação lançado no japão pela Capcom em agosto de 2001 e na Europa em dezembro do mesmo ano. Recebeu o aplauso da crítica pela sua ação elegante e chamou a atenção pela forma vistosa e livre como retratava a derrota dos adversários. Tornou-se o primeiro título de uma série.
Essa foi a primeira vez que experimentaste fazer algo do zero.
Já tinha verificado mapas feitos por outros, mas foi a primeira vez que fiz um sozinho.
Suponho que uma das principais razões para Mikami-san ter feito isso tenha sido o seu desejo de te ver crescer.
Penso que sim. Mikami-san também viveu a era da Famicom de 8 bits, por isso, acho que ele quis proporcionar-me a experiência de começar um projeto com um grupo relativamente pequeno de pessoas.
Estou a ver.
Mas eu operava mais com base no instinto do que na lógica. Por isso, quando fiz um mapa sozinho, surgiram variadíssimos problemas mais tarde. No início, por exemplo, fiz uma plataforma para saltar, mas, depois, podias limitar-te a andar pelo chão sem nunca a usares.
Estou a ver.
Não era divertido. Por isso, coloquei um item chamado V-film27 no ar para incentivar os jogadores a saltar. Depois, quando alinhei o V-film com a parábola do salto, apercebi-me subitamente – após o facto – de que era exatamente como as moedas de Super Mario.27. V-film: Um item que atua como a fonte dos VFX Powers, que são cruciais para avançar em Viewtiful Joe.
A sério? Então, apesar de as experiências continuarem desorganizadas na tua cabeça, à medida que vais avançando num processo de tentativa e erro, descobres dicas nas tuas experiências antigas e compara-las?
Sim. Quando faço algo, não costumo organizar os meus pensamentos no início, como «Aquele jogo era assim e assado, por isso vou fazer isto.» O que geralmente acontece é reparar em algo no momento, como «Oh! Foi por isso que fizeram o jogo assim!» Foi aí que percebi pela primeira vez que estava a fazer exatamente o que querias que fizesse.
Sem dúvida! (risos)
Portanto, foi durante o desenvolvimento de Viewtiful Joe que me apercebi de que os jogos que joguei no passado encerravam em si respostas importantes. E, desde então, tenho muito mais consciência da estrutura da jogabilidade.
© 2024 Nintendo.