Já que surgiu o tema da Capcom, podes dizer-me como foste lá parar?
Tal como já referi, nunca tentei efetivamente ser um designer de jogos. Por isso, disse aos meus pais em Matsumoto que, quando me licenciasse, iria regressar à minha cidade natal para procurar emprego.
Ah.
E andei à procura de trabalho ao pé de casa e até recebi ofertas de vários sítios. Mas, ao mesmo tempo, ainda queria fazer videojogos. Por isso, sem dizer a ninguém, candidatei-me e enviei propostas de projetos para uma série de grandes produtoras de videojogos. Entre elas, obviamente, estava a Nintendo.
Não me digas! (risos)
Acho que na altura a Nintendo não estava a recrutar planeadores. Mesmo assim, decidi enviar algo e até liguei para o departamento de Recursos Humanos. No entanto, disseram-me que não estavam à procura de planeadores naquele momento.
Lamento imenso.
Não lamentes! (risos)
Como era a proposta que enviaste naquela altura?
Nunca fui muito bom a explicar ideias por escrito. Por isso, fiz desenhos. Desenhei as personagens, claro. Mas também desenhei os ecrãs de jogo e os níveis – tudo – incluindo representações da jogabilidade. Acabei por receber ofertas da Capcom e da Namco, talvez porque o estilo da proposta fosse fora do comum.
Estou a ver. Porque escolheste a Capcom?
Para dizer a verdade, eu gostava da Namco. Por isso, debati-me imenso com esta questão, mas eles falaram em usar-me como designer. Pensando nisso agora, acho que qualquer um dos começos teria funcionado da mesma forma. Há imensa gente que passa de designer para planeador.
Sim. Imensa gente.
Mas, no final – e não foi algo que eu tivesse escolhido – colocaram-me no departamento de Mikami-san. Portanto, tive muita sorte.
Porque Mikami-san foi o teu mentor?
Sim. Estou muito grato por isso. Não estou a exagerar quando digo que não estaria aqui hoje se não fosse isso.
O que queres dizer com isso?
Estou aqui hoje a gabar-me da minha dedicação refinada aos videojogos, mas quando entrei para a Capcom, não era assim tão exigente.
Tu adoravas videojogos e dedicavas imensa energia aos jogos, mas faltava-te um componente obsessivo em relação a eles.
Exato. Eu tinha uma certa disposição em relação aos jogos. Mas, quando as coisas se complicavam, chegava uma altura em que eu dizia: «Assim já serve.» Foi importante terem-me arrancado essa atitude tépida.
Como um daqueles discursos desportivos para motivar os jogadores?
Pois. Mas fisicamente. (risos) Como dar um pontapé a uma cadeira e gritar «Se não aguentarmos isto, sabem o que vai acontecer a este jogo?!» A primeira equipa de que fiz parte na Capcom estava a trabalhar em Resident Evil28, o primeiro jogo. Trabalhei como planeador sob a orientação de Mikami-san.28. Resident Evil: Um jogo de ação, aventura e terror lançado no Japão pela Capcom em março de 1998 e na Europa em agosto do mesmo ano.
O primeiro Resident Evil?
Quando entrei para a empresa, o projeto já estava em curso mas ainda tinha o nome provisório «3D Horror» e estava constantemente a ser alvo de estudos e a experienciar dificuldades. Foi o primeiro jogo poligonal a sério da Capcom.
É verdade.
Na altura, estava um pouco desiludido com os jogos da Capcom devido à sua devoção unilateral ao 2D. Por isso, quando o vi pela primeira vez durante a orientação pensei «Isto é fantástico! Quero fazer parte desta equipa!» Mais tarde, vim a saber que como o jogo é semelhante a um filme, estavam a pensar trazer para a equipa pessoas capazes de desenhar storyboards.
Ah, então foi por isso que a tua proposta ilustrada lhes chamou a atenção.
Pois. Sabiam que eu era capaz de desenhar e colocaram-me na equipa de Resident Evil.
O que aprendeste com Mikami-san?
Foi Mikami-san quem criou o estilo de equipa na Capcom em que o diretor é responsável pela essência do jogo. Até ao momento, o ambiente corporativo que se vivia na Capcom consistia em toda a gente a criar jogos em conjunto, e ainda era assim quando entrei para a empresa. Então, houve algumas reações adversas e algum choque quando se decidiu dar autoridade absoluta ao diretor, e até eu estive frequentemente contra essa situação.
Ah!
Por exemplo, os funcionários no nível básico tinham como dado adquirido que tínhamos de intensificar a ação e queixavam-se ao diretor do quão frustrados estávamos por, por exemplo, não podermos ter o jogador-personagem a mover-se mais depressa. No entanto, o diretor dizia que o tema do jogo era o medo e, por isso, devia ficar como estava. Recusou-se a mudá-lo. E quando joguei a versão final completa, percebi exatamente por que razão Mikami-san não tinha cedido.
Apercebeste-te de que Mikami-san tinha conseguido ver certas coisas que tu – um em vários outros membros da equipa – não foste capaz de ver.
Isso mesmo.
Enquanto diretor, recorres à forma de trabalhar que Mikami-san implementou?
Sim. Mas logo a seguir, quando Mikami-san me tornou diretor de Resident Evil 2, fiz uma asneira enorme. Como disse que sim a tudo o que surgiu, acabou por sair horrível. Tivemos de deitar fora o que tínhamos passado um ano e meio a fazer.
Precisamente porque o diretor é totalmente responsável pelo resultado, é ele que tem a autoridade para tomar todas as decisões.
Por isso, enquanto diretor, tive culpa de tudo o que não funcionou. Resident Evil 2 estava a ser objeto de muita atenção por ser um dos novos grandes jogos da Capcom e as notícias espalharam-se rapidamente pela empresa. Sentia que as pessoas me fitavam na cantina e diziam: «É ele! É o tipo que arruinou Resident Evil 2!» Foi um choque. E foi muito difícil.
Deve ter sido uma experiência bastante deprimente tendo em conta que só estavas na empresa há três anos e que ainda eras bastante jovem.
Mas, em vez de dizer «Este tipo fez asneira, por isso não presta.», Mikami-san manteve-me no cargo de diretor.
Em vez disso, disse: «Como fez asneira, aprendeu uma lição.»
Exato. Ter recebido essa segunda oportunidade foi muito importante. Por isso, refleti bastante sobre o que tinha corrido mal. Estava a tomar decisões sem visão e, entre todas as pressões, deixei de ser exigente com os meus critérios de aprovação. E, acima de tudo, a forma como sofri os resultados desastrosos dessa situação do ponto de vista pessoal também foi importante.
Apesar de ter sido uma experiência difícil, também foi uma bênção incrível.
Acredito verdadeiramente que sim.
Fico comovido com a forma como Mikami-san voltou a confiar em ti. Deve ter visto algo em ti.
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