E passava-se mais uma coisa quando fizemos Punch-Out!!.
O quê?
Até àquele momento nas imagens em píxeis, tínhamos de desenhar as imagens uma a uma, mas tínhamos começado a experimentar fazer desenhos simples, colocando-os directamente no jogo. E depois seria possível ter animadores profissionais a desenharem para nós.
Para dizer a verdade, acho que não foi bem assim... (risos)
Ai não? (risos)
Quer dizer, a história tem 25 anos. É natural haver discrepâncias nas vossas memórias. (risos)
A ferramenta para importar imagens tal como tinham sido desenhadas por um animador não dava para usar de todo.
(risos)
Foi por isso que imprimimos folhas enormes de papel milimétrico, do tamanho de secretárias, e desenhámos tudo à mão.
Mas dava para importar isso...
Bem, importar o desenho como se se tratasse de dados facilitava tudo para o programador, para o desenhador é que não.
(gargalhadas)
Porque tínhamos de desenhar imagens gigantes em píxeis à mão. Era apenas um processo que automatizava a inserção de imagens píxel no digitalizador.
Então desenhavam todas as imagens, Miyamoto-san? Há adversários verdadeiramente únicos no jogo.
Até então, eu desenhava tudo, mas fiquei assustado quando tive de desenhar os pugilistas enormes de Punch-Out!! Pensei que não iria ser capaz, de forma alguma, de os desenhar com o meu nível de talento.
A necessidade de mostrar as imagens aumentadas em 1,5 com a funcionalidade de zoom significava que precisavas de fazer desenhos muito maiores do que o habitual.
Por isso desenhei várias imagens de pugilistas e levei-as à Studio Junio10 de Takao Kozai em Tóquio. 10 Studio Junio: empresa de animação fundada pelo animador Takao Kozai após ter abandonado a Toei Motion Pictures. O nome actual é Junio Brain Trust.
Ele é o animador de New Star of the Giants e de Sally the Witch, não é?
Exactamente. Foi a primeira vez que me relacionei com um animador. Explicava-lhe tudo enquanto ele olhava para as imagens num café, e elogiava-me dizendo: "Desenhas imagens muito interessantes." Mas eu olhava e olhava para elas e só conseguia ver que estavam mal feitas.
(risos)
Ele passava o dia todo a olhar para imagens bem desenhadas, por isso uma imagem única era possivelmente...
Digamos que era mais interessante! (risos)
Ele aparentemente pensava que os meus desenhos continham muitas ideias. Quando dizia "desenhas coisas muito boas", estava mesmo a encorajar-me. Voltei para Quioto tão entusiasmado que após uma semana os meus desenhos originais se transformaram em células impecáveis. Estavam coloridas com cores bonitas e pensei que só então se pareciam mesmo com pugilistas. (risos)
Por isso é que disse que subcontratámos um animador profissional.
Parece que é a única memória comum. (risos)
(gargalhadas)
Não deu bem para automatizar tudo, foi um trabalho gigantesco. (risos) Primeiro mostrámos as células a Takeda-san e, como ele gostou, desenhámos tudo aos pouquinhos. O murro, o jab, outros movimentos do braço e a vista de perfil do rosto foram todos divididos em várias partes que passaram para células.
Para que depois pudessem ser animadas.
Depois pegámos nas células, aumentámo-las e colocámo-las no tal papel milimétrico gigante de que falei, transferindo-as uma a uma para imagens píxel. Mas não conseguia fazer tudo sozinho, por isso desenhei os traços gerais e uma senhora com quem estava a trabalhar coloriu a imagem. Depois levámo-la a Takeda-san.
Parece que houve aí muito esforço. (risos)
Não me lembro bem disso. A ferramenta estava completa quando fizemos o Super Punch-Out!!11? 11 Super Punch-Out!!: jogo arcade de acção lançado em 1985 enquanto sequela de Punch-Out!!
Acho que sim. Lembro-me que fazer o Punch-Out!! foi muito trabalhoso, mas grande parte do Super Punch-Out!! foi já automatizada. O primeiro jogo foi de facto complicado de fazer, mas também foi muito divertido. Foi a primeira vez que pude trabalhar com animadores e acabei por conhecer o Sr. Kotabe12 e o Sr. Maeda13, que costumava desenhar o Dr. Slump. Pedi-lhe para fazer as ilustrações de Zelda e trabalhámos juntos no Excitebike. 12 Sr. Kotabe: Yoichi Kotabe criou o desenho animado Heidi of the Alps. Depois de sair da Toei Animation começou a trabalhar na Nintendo na área de desenho de personagens para Mario. Actualmente, trabalha como freelancer. 13 Sr. Maeda: Minoru Maeda é animador, tendo sido o director de animação de êxitos tais como Dr. Slump/Arare-chan, Dragonball, Touch, etc.
Essa preocupação de não ser capaz de desenhar imagens grandes de pugilistas deu azo a muita coisa... (risos)
É verdade. Para mim, Punch-Out!! foi um jogo que criou muitos contactos.
Desenhavas alguma coisa para além de arte píxel?
Desenhei o pugilista e o árbitro. É por isso que a qualidade dessas personagens deixa muito a desejar comparativamente aos adversários desenhados pela Studio Junio. (risos)
Mario e Donkey Kong estavam entre o público, também.
Pois é. Estava a tentar inserir o Mario noutros jogos, por isso achei que era uma boa oportunidade. E dava para ver o flash de câmaras no estádio – acho que fui a primeira pessoa no mundo a fazer isso.
A sequela Super Punch-Out!! foi lançada em...
No ano seguinte, em 1985.
Graças a todos, Punch-Out!! foi um grande êxito. Diziam-nos frequentemente que se andava a gastar muitas moedas nas máquinas arcade, e então começaram a pedir-nos para criar uma sequela. Não sabíamos o que fazer. Já tínhamos feito tudo o que podíamos fazer com o boxe. A única coisa que podíamos acrescentar era jogadas ilegais e foi por isso que criámos um jogo onde não havia limites e as personagens chegavam a dar pontapés ou eram peritos em artes marciais. E foi assim que o jogo se tornou Super Punch-Out!!.
Ultrapassaram os limites de um jogo de boxe.
A última metade tinha umas jogadas impressionantes. Tipo um pugilista a dar pontapés no ar, passando de corda em corda. (risos)
Não era para ser um jogo de luta livre profissional. (risos)
Foi tudo ideia de Takeda-san, um tipo descontraído.
Discutimos muito a ideia de poder haver armas. Mas acabámos por decidir que seria demasiado estranho. (risos)
(risos)
De que modo estiveste envolvido neste projecto, Miyamoto-san?
Ajudei com as imagens, por isso não me envolvi nos retoques finais.
Mesmo assim, tenho uma certa dificuldade em imaginar-vos a ter um debate profundo durante o desenvolvimento de Punch-Out!! no passado, tal como acabaram de descrever. (risos) Mas são essas as vossas raízes.
Mas Super Punch-Out!! foi o último jogo em que trabalhámos juntos.
Pois foi. Na era da Nintendo 64...
Já eu estava no departamento de hardware.
Então o Super Punch-Out!! foi o último jogo que desenvolveram juntos. Gostava de perguntar a Miyamoto-san quais são as características, na sua opinião, do design de jogos de Takeda-san.
Numa palavra: descontraído.
Tal como o nome Pizza Pasta. (risos)
Tem uma imaginação muito fértil. É por isso que havia sempre muito a aprender com ele. Por exemplo, quando chegava um novo pedido difícil, grande parte das pessoas pensaria: "Mas como é que eu vou fazer isso?" Takeda-san é o tipo de pessoa que pensa: "Vamos lá encontrar maneira de fazer isto." Numa altura em que não havia propriamente uma fórmula padrão para fazer videojogos, havia duas escolas de pensamento: uma recorria a empresas externas para fazer videojogos, outra tentava fazer os jogos pela sua própria mão. Takeda-san era o representante desta última e continua a ser o epíteto dessa filosofia na Nintendo. Era simplesmente demasiado avançado para o seu tempo.
Como assim?
Agora, com a Wii, os sensores de movimento são tomados como certos. Mas, na altura, a interface das luvas era uma ideia demasiado avançada.
Estou a ver. (risos)
Pessoas como Takeda-san pensam dez anos à frente. Acho que o meu papel é tentar que as ideias se adeqúem à era em que se inserem, traduzindo-as para o estilo do presente.
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