5. Momentos mágicos

Iwata:

Gostava de explorar melhor o tópico do design de jogo de ZombiU. Um dos elementos é o facto de um jogador que sucumbe à praga zombie acabar por se transformar num zombie. É uma caraterística invulgar e que nunca vimos antes.

Guillaume:

Quando decidimos criar um jogo com zombies, quisemos que o jogador sentisse as mesmas emoções que sente quando vê um filme clássico sobre zombies. Existem várias personagens que se vão transformando ao longo do filme, até que chegamos a um momento decisivo, em que temos de decidir entre matar um amigo que se tornou zombie ou ser morto por ele. Essa escolha traz consigo um conflito interior.

Iwata:

Então quiseram criar um tema que fosse o mais fiel possível a esse género?

Gabrielle:

Sim, mas, de certo modo, enquanto jogador pensamos “não quero ser atacado”. Contudo, visto que se trata de uma história de zombies, também pensamos “vou ser a vítima seguinte” e, subconscientemente, queremos ser atacados. Sentimos a necessidade de dar ao jogo esse sentimento misterioso que só é possível obter neste tipo de meio ficcional.

Guillaume:

Quando a personagem de um jogador morre durante o jogo, essa personagem é tirada ao jogador e depois vagueia por Londres com uma forma nova e começa a perseguir novas vítimas.

Iwata:

Deve ser uma sensação muito estranha! (risos) Então e o que faz o jogador, quando isso acontece?

Guillaume:

Quando uma personagem morre, o jogador quer tentar de novo e, naturalmente, não podíamos deixar que o jogo terminasse assim. A solução foi bastante óbvia: fizemos com que o jogador pudesse voltar ao mundo na pele de outro sobrevivente.

Iwata:

Então torna-se uma pessoa completamente diferente?

Guillaume:

É verdade. Pode aparecer como qualquer tipo de personagem, de qualquer sexo, idade ou raça.

Xavier:

Queríamos alterar por completo a regra implícita do mundo dos jogos, que diz que, quando a nossa personagem morre e volta a aparecer, temos de refazer a cena toda até ao momento em que morremos.

Iwata Asks
Iwata:

Uau. Isso é muito mais do que simplesmente jogar como uma personagem diferente…

Xavier:

Exato. A mochila que o jogador tinha consigo quando foi morto fica com essa personagem que se tornou zombie. Quando o jogador reaparece como um sobrevivente novo, começa sem nada, por isso tem de ir buscar aquela mochila para conseguir sobreviver.

Iwata:

Compreendo. Então isso significa que tem de lutar com a personagem anterior, que agora é um zombie?

Gabrielle:

Exato. No mundo de ZombiU, a probabilidade de um jogador chegar ao fim da história com um único sobrevivente é quase nula.

Iwata:

Compreendo. Sendo assim, precisaram de muita habilidade para encontrar um modo de contar a história, certo? Porque o que fizeram não seria possível, se houvesse uma história linear com um único herói que tem várias experiências diferentes ao longo do jogo, até chegar ao objetivo final.

Gabrielle:

Nesse sentido, ZombiU é uma forma completamente nova de contar histórias, que não se vê em muitos jogos. A personagem do jogador deste jogo não pode ser um herói no sentido tradicional da palavra, por isso a história tem de ser contada pelo ambiente que o rodeia. Visto que a personagem que o jogador controla muda constantemente ao longo do jogo, o fim do mundo de ZombiU tem de ser transmitido visualmente.

Iwata:

De certo modo, criaram um mundo de objetivos que se afasta da perspetiva de primeira pessoa, um mundo onde surgem vários acontecimentos diferentes. E é através desses acontecimentos que o jogador compreende a história. É isso?

Gabrielle:

Exato. Um aspeto extremamente importante na narração da história deste jogo foi um design de nível persistente.

Iwata:

O que é exatamente um “design de nível persistente”?

Gabrielle:

Quando entramos no jogo como uma personagem nova, beneficiamos de portas que já foram abertas por personagens anteriores, e os objetos de missões que descobriram encontram-se disponíveis no ponto de partida, no esconderijo. Qualquer zombie morto não volta a aparecer e, quando chegamos ao local onde a personagem anterior foi morta, a história continua onde tinha ficado. Podemos dizer que é uma espécie de corrida de estafeta.

Iwata Asks
Iwata:

A tua resposta faz com que tudo pareça tão simples e natural, mas tenho a certeza de que foi preciso muito trabalho para que isso fosse possível.

Gabrielle:

Se calhar não devia dizer isto, mas criar o conceito foi bastante fácil. (risos) Contudo, durante a fase final do projeto, houve uma quantidade extraordinária de situações “e se?”. De repente, pensávamos: “E se acontecesse isto nesta situação? Teríamos de fazer isto.” Lidar com tudo isso foi muito complexo, porque quando as pessoas têm de tomar decisões imediatas, isso pode dar origem a resultados anteriormente inimagináveis. (risos)

Xavier:

Deu mesmo muito trabalho, mas os testes e os protótipos ajudaram-nos bastante.

Iwata:

Entretanto, o Yves dizia-vos que este tinha de ser um título de lançamento. Como conseguiram fazer isso e lidar com três elementos concorrentes: o prazo de desenvolvimento, o desafio de fazer algo novo e a concretização de um nível suficientemente elevado para criar algo bom?

Gabrielle:

Não dormimos muito.

Iwata:

(risos) Isso é algo que se mantém igual no mundo inteiro.

Guillaume:

Um outro aspeto foi que, sempre que apresentámos parte do jogo e ouvimos as opiniões dos utilizadores e da comunicação social, os membros da equipa consideraram isso extremamente motivante. Nesse contexto, a E3 deu-nos imenso ânimo. Não há dúvida de que a reação dos utilizadores foi determinante para motivar a equipa inteira, permitindonos continuar a trabalhar, a tomar decisões acertadas e, por vezes, até a eliminar certos aspetos, se necessário.

Iwata:

Sentir motivação devido à reação dos clientes é, sem dúvida, um dos fatores essenciais na criação de um bom jogo, não é?

Guillaume:

É verdade. Além disso, para nós a data de lançamento é um fator essencial para o sucesso, por isso a equipa fez um esforço concertado, com essa data em mente. No final, conseguimos terminar sem que fosse preciso eliminar caraterísticas importantes. No início, pensávamos que alguns cortes seriam inevitáveis, mas graças às capacidades do hardware da Wii U, conseguimos terminar com poucos cortes.

Gabrielle:

Mas se nos perguntasses há seis meses se pensávamos que seria possível fazer tudo isto, a resposta seria não!

Todos:

(risos)

Iwata:

Devo dizer que conseguiram criar bastante conteúdo fantástico num período de desenvolvimento tão limitado. Também parece que tiveram uma resposta muito positiva em todos os eventos onde mostraram ZombiU.

Guillaume:

Um exemplo clássico disso foi a versão de demonstração que mostrámos na E3. Utilizámos um mecanismo clássico, o momento “boo”, onde um zombie salta de um armário para assustar o jogador. Quando o implementámos e mostrámos a pessoas da equipa de desenvolvimento, não se assustaram nada, porque era apenas um zombie que aparecia repentinamente, por isso começámos a perder a confiança. Contudo, continuámos a trabalhar, com muito empenho, e terminámos a versão de demonstração.

Iwata:

E qual foi o resultado na E3?

Guillaume:

Todos diziam que os jogadores quase deixavam cair o Wii U GamePad nesse momento do jogo.

Todos:

(risos)

Guillaume:

Ficámos muito surpreendidos, mas também muito contentes. Quando passamos muito tempo a desenvolver um jogo em equipa, começamos a ter algumas incertezas sobre aquilo que fazemos e surgem muitas preocupações e medos. Mas quando voltámos da E3 e dissemos à equipa que aquele momento teve um impacto enorme, eles quase caíram da cadeira! (risos) Isso alterou bastante o ambiente da equipa e deu-nos confiança para continuar a trabalhar em momentos semelhantes. Foi uma das melhores experiências que tive durante a fase de desenvolvimento de ZombiU, e nunca a esquecerei.

Iwata Asks
Iwata:

Quando fazemos algo assim e criamos um “momento mágico”, podemos inspirar as pessoas com o nosso jogo. Mesmo após a apresentação na E3, esse momento mágico é algo que não será esquecido, por clientes e pela equipa de desenvolvimento.