3. A ''essência de Mario'' em palavras

Iwata:

Penso que este foi um projecto muito difícil para ti devido à forma como participaste. Não eras o director como em Mario 64, e apesar de conheceres a equipa da EAD de Tóquio muito bem, eram 400 quilómetros de distância de Quioto.

Miyamoto:

Mesmo assim, acabou por ser um trabalho relativamente agradável. Penso que não teríamos conseguido fazer este jogo se fosse o director, mas foi possível porque desta vez era o produtor. O ambiente de desenvolvimento também melhorou substancialmente: o computador na minha secretária estava sempre em ligação com Tóquio.

Iwata:

Ouvi dizer que até lhes enviavas e-mails pela manhã em dias de folga!

Miyamoto:

Estavam constantemente a enviar-me os últimos dados, por isso conseguia sempre responder imediatamente. No início, quando ia a Tóquio, ocupava uma sala inteira e pedia para falar com os coordenadores das várias subequipas de desenvolvimento, um a um, fazendo perguntas sobre o jogo enquanto jogava. Mas depois apercebi-me, “Será que tenho que ir a Tóquio só para fazer isto?” (risos) Por isso criámos o mesmo ambiente numa sala de conferências em Quioto, onde tive reuniões em vídeoconferência em que mostrava o ecrã através de uma câmara e falava em como devíamos mudar coisas no jogo. Por isso, fui capaz de trabalhar a maior parte do tempo como se estivesse no escritório de Tóquio.

Iwata:

Koizumi-san, o director, referiu que foste o primeiro a testar o “prato” que eles cozinharam.

Miyamoto:

Foi uma situação estranha. Fiquei muito embaraçado por estar toda a gente a olhar para mim enquanto jogava! (risos) Mario é o tipo de jogo onde podes fazer muita asneira se não estiveres com atenção. Mas se cometesse algum erro enquanto estavam todos a olhar, não poderia de maneira nenhuma dizer-lhes: “Peço desculpa, estava desatento!” (risos)

Iwata Asks
Iwata:

(risos)

Miyamoto:

Estava preocupado que dissessem coisas como “Miyamoto-san fala muito, mas não joga nada” ou “não quero que gente sem jeito nenhum venha dizer-me como fazer jogos.” Senti-me como se estivesse a jogar sobre brasas! (risos)Em todo o caso, tentei todos os diferentes níveis à frente de todos enquanto fazia comentários do género “A maneira como somos vencidos aqui tão facilmente não está bem”, e pedi à equipa para esquematizar o tipo de coisas que posso ou não aceitar.

Iwata:

Querias definir a “Essência de Mario”.

Miyamoto:

Exacto. Escrevi estas coisas num e-mail e enviei a todos os envolvidos, mesmo que não fosse responsabilidade deles.

Iwata:

É uma maneira interessante de fazer as coisas.

Miyamoto:

Decidi pegar nesses elementos fundamentais que foram criados e aplicá-los em várias áreas do jogo. Por exemplo, nos jogos Mario em 2D, foi considerado habitual Mario correr para a direita, mas uma entre dez vezes que vais para a esquerda, vais encontrar um pequeno prémio. Geralmente todos pensavam que tinham que ir para a direita, por isso quisemos premiar as pessoas que voltavam atrás. Tentámos pensar nestes elementos fundamentais não apenas numa mas em todas as etapas do jogo, mas como o jogo perderia equilíbrio se todos fizessem isso, utilizei o e-mail para preservar a colaboração na equipa.

Iwata:

Lembro-me que, durante o desenvolvimento, referiste com um ar muito feliz que colocaste pela primeira vez a “Essência de Mario” em palavras.

Iwata Asks
Miyamoto:

(Com uma expressão de alívio) Foi realmente a primeira vez.

Iwata:

Já que estás há 25 anos a fazer jogos Mario, quase quis perguntar-te: “É realmente a primeira vez?!” (risos)

Miyamoto:

Até agora, o que quer que fosse que estivesse decidido, diria “ É instinto” por isso até estou surpreendido! (risos) Por exemplo, todos pensamos numa personagem querida e fofinha quando pensamos em personagens dos jogos Mario.

Iwata:

O tipo de personagem fofinha que viveria no mundo de Mario.

Miyamoto:

Porque as pessoas acreditam que as personagens devem ser assim, concebem as suas próprias ideias, como por exemplo o facto de os olhos deverem ser sempre grandes e brilhantes. Mas não desenho as minhas personagens assim. Por isso, quando um novo membro da equipa com ideias preconcebidas me mostra desenhos e diz “Olha, criei uma figura ao estilo de Mario”, acho que acabam por não se parecer com Mario. As técnicas dos artistas melhoraram muito em comparação com o passado, mas os seus estilos tornaram-se bem mais uniformes. Já têm este esboço mental bem desenhado, que está a invadir cada vez mais os designs.

Iwata:

A técnica está lá, mas falta-lhes personalidade própria.

Miyamoto:

Penso que não faz mal nenhum Mario ser desenhado para ter uma imagem gira, e com isso não quero dizer que devamos desenhá-lo especificamente para ser giro, mas que o design global deve acabar por atingir esse resultado. Por isso, no passado, tentei sempre desenhar algo que não parecesse infantil, e mudar completamente o design dependendo do jogo, mas tudo isto nunca foi posto em palavras. E como estava a pensar na melhor maneira de explicar às pessoas, lembrei-me de uma experiência que tive quando estava a trabalhar no Mario Bros. Gunpei Yokoi9 perguntou-me: “Qual é coisa, qual é ela que não se consegue mexer se a virar de barriga para cima?”, e respondi, “A tartaruga, claro”. Desde essa altura, as ideias foram surgindo, como por exemplo “Penso que seria mais natural se fosse possível subires para cima da tartaruga”, e “Não seria melhor se saísse da carapaça quando a pisasses?” Se calhar estou a alongar muito o tema, mas... 9 Gunpei Yokoi é o falecido Gestor de Desenvolvimento da Nintendo que liderou a equipa que criou o Game & Watch, e o Game Boy.

Iwata Asks
Iwata:

Continua, por favor. (risos)

Miyamoto:

No final, só consegues virar a tartaruga ao contrário, e não pisá-la…Em Mario Bros., quando derrubamos uma tartaruga, ela vai começar a mover-se de novo após um curto período de tempo. É difícil dizer exactamente quanto vai demorar a mover-se de novo. Consegues vê-la tremer, mas não consegues ver por quanto tempo treme até se levantar. Por isso, decidimos mudar isto e criar uma regra onde podíamos ver este tempo visualmente. Assim, depois de pisar a tartaruga, ela sai da sua carapaça e volta a mexer-se quando volta para dentro. Esta pequena tartaruga salta da carapaça e funciona como temporizador. Sentimos que isto seria algo que todos podíamos ver.

Iwata:

Penso que mais ninguém se lembraria de fazer uma tartaruga saltar de dentro da carapaça! (risos)

Miyamoto:

Mas depois reparei num enorme erro porque as carapaças das tartarugas são parte integrante do esqueleto, significando isto que não estamos a ser totalmente verdadeiros para com as crianças.

Iwata:

De facto, as tartarugas não saem da carapaça! (risos)

Miyamoto:

Mais tarde, no Super Mario o jogador poderia pisar as tartarugas. Mas porque Mario podia agora pisá-las sem se preocupar, decidimos introduzir algumas que não podíamos pisar. Decidimos que a melhor maneira de as distinguir era colocar espigões nas carapaças…

Iwata:

Foi Motokura-san, o nosso designer, que disse: “Quando em dúvida, usa espigões!” (risos)

Miyamoto:

Bem, parece que têm ouvido o que tenho para dizer! (risos) Por exemplo, se olhares para os Boos e fizeres

Video: “cu-cu, aqui estou eu” (peek-a-boo)

Penso que este foi um projecto muito difícil para ti devido à forma como participaste. Não eras o director como em Mario 64, e apesar de conheceres a equipa da EAD de Tóquio muito bem, eram 400 quilómetros de distância de Quioto.
“cu-cu, aqui estou eu” (peek-a-boo) quando te voltas, vais ver que eles são muito tímidos, e que também coram. Penso que são aspectos como este que demonstram a importância de criar coisas com funções de fácil compreensão. O que quero dizer é que se ao designer é simplesmente dito para “criar algo único”, como saberia o que fazer? Desta vez, o elemento fundamental de Mario é criar forma à volta da função, para que possamos continuar a imaginar o máximo de ideias únicas à volta disto. Acho que concordas que é um método bastante directo.

Iwata Asks
Iwata:

De acordo. Agora que me explicaste, posso finalmente dizer que compreendi como o design mostra a função.

Miyamoto:

Na verdade, é o mesmo para mim também: tudo fez sentido quando o consegui colocar em palavras. Estás a ver, os princípios básicos da DS e da Wii são os mesmos.

Iwata:

Estou a ver, estou a ver.

Miyamoto:

Quando fotografámos a DS, senti que era essencial que o stylus aparecesse ao mesmo nível. Queríamo-nos certificar que as pessoas, ao olharem para ela pela primeira vez, compreendessem como funciona.

Iwata:

E isso também explica o porquê de as fotografias do Comando Wii incluírem sempre uma mão a segurá-lo.

Miyamoto:

Fui muito claro quando disse que não queria que o Comando Wii fosse fotografado sozinho. Posto isto, só há um ano é que finalmente compreendi que os meus designs têm estado a representar a sua função. Demorou muito tempo até chegar lá! (risos) De facto se calhar nem há um ano foi! (risos)

Iwata:

Já passaram 26 anos desde que Mario se estreou no primeiro jogo de Donkey Kong10! (risos) E, finalmente, após todo este tempo a “Essência de Mario” foi expressa em palavras. 10 Donkey Kong é um jogo arcade lançado em 1981, tendo sido o primeiro título de Miyamoto como designer de jogos.

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