Sakaguchi-san, fizeste jogos para uma variedade de plataformas. Gostaria de te perguntar como te sentiste ao desenvolver um jogo para a Wii.
Bem... Posso ser totalmente honesto?
Sim, diz-me a verdade, por favor.
OK. Quando trabalhei em plataformas de hardware com visores HD11 que tinham uma resolução maior do que a Wii, dei muita importância ao fluxo de trabalho e ao ‘pipeline’12. Isto é prática comum na indústria cinematográfica – garantir que o ‘pipeline’ está firme no seu lugar, garantindo assim que criarás imagens de maior qualidade. Mas desta vez, para a Wii, comecei por criar o protótipo e depois analisei isso, o que implicou usar um método totalmente diferente do que usei para o hardware em que tinha trabalhado até aí. 11HD significa “alta definição” e significa que a resolução é mais alta do que a que é usada para transmissões televisivas SD (definição standard) analógicas. 12O termo ‘pipeline’ é usado aqui para se referir ao sistema que permite que dados como os que são usados para gráficos e animação, sejam transferidos facilmente para o software durante o processo de desenvolvimento.
Então dirias isso porque quando estavas a trabalhar na Wii, embarcaste em muitas aventuras e experiências e conseguiste tornar o jogo mais expansivo?
Em parte, sim. Para ser sincero, penso que as imagens em HD que se tornaram populares na indústria da televisão ainda são, na minha opinião, exageradas para o mundo dos videojogos. Os criadores tendem a permitir que toda a sua energia seja dirigida para a manutenção da alta qualidade nos gráficos.
Embora seja necessário utilizar totalmente essas capacidades gráficas no futuro, se toma o tempo todo de um criador, outros aspetos do jogo acabam por ser negligenciados.
Sim, concordo. Mas não queria mesmo permitir que a qualidade dos gráficos baixasse só porque estávamos a trabalhar na Wii, que não tem gráficos HD. Penso mesmo que, no fim, o que criámos tem muito valor em comparação com outro hardware. Conseguimos implementar a textura das pedras e da água, por exemplo. A outra área importante é o movimento.
Ah, sim. Normalmente, se o movimento, o modelo e a resolução não estiverem todos ao mesmo nível, o movimento parecerá pouco natural. Se um desses três elementos for visivelmente superior aos outros, tenderá a sobressair. Mas neste título, estão todos perfeitamente alinhados. Dá para ver a energia que colocaram nisto.
Exatamente. O equilíbrio é o mais importante. Se um elemento for demasiado alto, tens de reduzir a sua intensidade e se outro elemento não estiver a funcionar, tens de fazer com que sobressaia mais.
Foste tu que tomaste as decisões em relação a essas questões?
Algumas decisões fui eu que tomei, sim, mas os diretores de arte 3D, incluindo Fujisaka-san, também deram o seu contributo. Muitas vezes bebíamos qualquer coisa e discutíamos a teoria por detrás do jogo, para discutirmos a direção em que as coisas deveriam seguir. As pessoas tendem a ter uma ideia errada de mim se eu não me certificar de que toda a gente está no mesmo pé.
De que forma dirias que és mal interpretado?
Muitas vezes as pessoas pensam que o que eu quero realmente são imagens fixas bonitas. Como havia membros da equipa que nunca haviam trabalhado comigo antes, sabia que tinha de falar com eles e garantir que estávamos todos em sintonia.
Como divides o trabalho entre as coisas de que tratas tu próprio e as tarefas que tens de deixar para outros membros da equipa?
Basicamente tento delegar o máximo que posso a outras pessoas dado que muitas vezes isto dá origem a boas ideias que não esperavas. Claro que farei comentários e sugestões, mas muitas vezes os membros da equipa mais novos fazem coisas à sua maneira sem eu saber. (risos) Isso pode levar a resultados impressionantes e o meu objetivo é conseguir controlar este processo para que possa passar o testemunho a outros e deixá-los continuar.
O que queres dizer quando falas de controlar o processo?
Por exemplo, significa entender que se explicar as coisas de uma determinada forma a um membro da equipa e os colocar numa determinada situação, saberei que pontos fortes trarão consigo. Se não conseguires fazer isso, poderá ser problemático. Acabas em situações em que é mais rápido fazeres as coisas tu próprio. Se isso acontecer, o jogo perderá a sua “energia”. Precisas mesmo de ideias e de energia de pessoas diferentes ou o jogo acabará por não ser bom.
Quando se trata de reunir todas essas ideias díspares e fazer com que a energia flua na mesma direção, o que consideras essencial?
Embora se perca muito tempo, a forma como o faço é estabelecer uma troca entre eu próprio e a equipa, construindo assim um tipo de canal entre nós. Trabalho nas coisas fazendo ajustes até conseguir estabelecer este canal que me liga ao meu staff. Penso que isto garante que estamos todos em sintonia quando se trata de fazer um jogo.
Partilham todos do mesmo pensamento.
Exatamente. A forma como o imagino é que este canal que me liga à equipa define a nossa abordagem em relação ao jogo em vez de ser uma questão de ser eu a arrastar toda a gente comigo. Se o pensamento da equipa mudar, a forma deste canal muda e o próprio jogo muda também. O jogo sofrerá uma espécie de mudança química positiva e é por isso que acho que foi a constituição da equipa que explica a razão pela qual The Last Story teve o resultado que teve.
Fujisaka-san, enquanto designer, como foi trabalhar na Wii?
Bem, sou designer por isso, para ser sincero, primeiro queria trabalhar com uma resolução ligeiramente mais alta, mas ao ver o projeto a avançar, cheguei à conclusão de que não havia problema nenhum com a forma como as coisas estavam.
No final, criaste gráficos com uma qualidade superior à que achavas possível.
Sim, tens razão.
Penso que os gráficos têm uma beleza quase fotográfica. Em vez de tudo ser nítido e transparente, havia sombras no fundo e elementos ligeiramente desfocados que conferem aos gráficos a sensação de uma fotografia. Penso que atingimos o equilíbrio perfeito porque este jogo foi desenvolvido para a Wii.
Então têm uma sensação clara de terem atingido esse equilíbrio.
Sim. Para além disso, a Wii é uma consola para a qual foi fácil programar. Conseguimos implementar coisas até ao mais ínfimo pormenor. Por exemplo, se passares por baixo de uma ponte, receberás muita luz solar. E se estiveres a sair de um local escuro e passares por baixo de uma ponte, tudo à tua volta será claro, mas de forma mais suave. É como a forma como um olho humano real se ajusta automaticamente à luz e à escuridão.
É muito interessante.
Isso faz com que a sensação de passar por baixo de uma ponte seja melhor. Conseguimos colocar todo o tipo de toques no jogo.
Conseguimos, sim.
Não conseguia suportar a ideia de nos limitarmos só por causa da resolução da Wii. (risos) A equipa responsável pelo lado 2D trabalhou no fundo e dedicou-se muito a isto.
Os diretores de arte em 3D também deram tudo o que tinham.
É por isso que no fim não parece nada inferior quando comparado com os gráficos e a resolução noutras plataformas.
Então recusaste usar o facto de ser para a Wii como desculpa e resolveste dar tudo o que tinhas.
Certo.
Há outra coisa coisa que gostaria de perguntar, desta vez sobre criar um RPG. Embora haja pessoas que são grandes fãs do género, também existem pessoas que sentem que há muito conhecimento prévio, mesmo que não estejam familiarizadas com o jogo, e que, logo, os RPG são algo inacessíveis. Mas sinto que em The Last Story, o novo sistema significa que a porta está aberta tanto a fãs de RPG como a principiantes no género.
Exato. Penso que as fantasias que se desenrolam em RPG proporcionam ambientes de jogo verdadeiramente apelativos. Por exemplo, quando Lord of the Rings13 saiu, numa altura em que a ficção científica era dominante, apercebi-me de como gostava desse mundo e de como me parecia familiar. Como dizê-lo? Penso que, com um mundo primordial de deuses, um mundo de mitos que formam as bases da civilização humana, quando este tipo de mundo é concretizado num RPG, penso que muitas pessoas sentir-se-ão atraídas naturalmente. 13A trilogia de filmes Lord of the Rings baseada nos livros de JRR Tolkien foi lançada entre 2001 e 2003.
Compreendo.
Claro que tens de fazer um jogo que seja acolhedor para as pessoas que sentem uma ligação a esses mundos de fantasia. Mas não estava muito consciente de estar a abrir a porta para alguém concreto ... Bem, só ao nível de: “Se estiveres interessado, entra!” (risos)
Os locais que se esforçam demasiado por fazer com que as pessoas entrem neles são um pouco esquisitos. (risos)
Sim, tens razão. Penso que é melhor ser natural. Não podes ser presunçoso nem pedante ao ponto de criares um sistema que intimide as pessoas. Mas segundo o mesmo critério, não acho que tenhamos de ter necessidade de agradar a todos. Sempre quis fazer jogos de forma natural e não forçada.
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