Então, o Sakaguchi-san queria que tu compusesses música com uma abordagem totalmente diferente do que tinhas feito antes. No que é que pensaste, ao abordar esta tarefa?
Bom, a primeira coisa a dizer é que existe uma espécie de maldição ligada à música para RPG. Há pressupostos básicos sobre o que um jogo RPG deve ser. Para este título, pus tudo isso de parte e concentrei-me noutros aspetos, como os elementos usados em bandas sonoras de filmes e a textura da música. Claro que continuo a ser eu a criar música, por isso não há uma diferença enorme nas melodias, entre isto e o que fiz antes, mas o meu objetivo era criar música que fosse totalmente diferente do que pensei ser o padrão de música dos RPG.
Creio que essa relação entre o RPG padrão e a música é bastante semelhante à música que ouvimos enquanto corremos. Por isso, se jogar um jogo for como correr, o objetivo da música é dar-nos uma sensação de ritmo.
Então queres dizer que a função da música num RPG é não atrapalhar enquanto corremos. Por outras palavras, deve ajudar o jogador enquanto joga.
É verdade. Pelo contrário, a música no cinema tem tendência para ser um pouco mais emocional, cria um espaço onde o espetador pode ficar comovido. Como é criada para se enquadrar no conteúdo emotivo de cada cena, utiliza uma grande variedade de música diferente. Mas, com a música de batalha deste título, não sabemos o que vai acontecer, por isso a música não pode ser ligada integralmente à cena, como acontece com a música de um filme. Mas, dito isto, creio que conseguimos alcançar um efeito comparável.
O que considero curioso, Uematsu-san, é o facto de teres conseguido criar música que correspondia à visão do Sakaguchi-san para o jogo, apesar de teres ouvido apenas que o teu esforço inicial estava “todo mal”. Como é que lidaste com isso? Tiveste ideias próprias para alcançar os objetivos?
O Sakaguchi-san disse algo há muito tempo e que nunca me saiu da cabeça. Discutíamos ideias para músicas, quando trabalhávamos em FFIII9, e ele pediu-me que pensasse em maneiras de usar a música para exprimir emoções no jogo em tempo real. Ainda me lembro disso distintamente. 9 Final Fantasy III foi um jogo RPG lançado no Japão, para a Famicom, em abril de 1990.
Então o que o Sakaguchi-san te disse há mais de duas décadas ficou contigo, e recordaste isso durante este projeto.
Sim, penso que talvez seja verdade.
Deve ser bastante difícil criar algo completamente diferente num só mês, por isso deste por ti naquilo que pode ser descrito como uma situação extrema.
Foi certamente difícil. Queria que a música tivesse esse elemento de tempo real, mas a última coisa que queria era perder as melodias do Uematsu-san. Sabia que não fazia sentido tentar encaixar canções em cenas emocionais do jogo. A dificuldade de expressar emoções através da música é um assunto com o qual lidamos há mais de 20 anos.
Sem dúvida que é.
Creio que, em última análise, não existe uma solução simples. Mas nós os dois falávamos de vez em quando de como a natureza dos videojogos nos permitia tentar certas soluções para esse problema, ao utilizar programação inteligente para alcançar o efeito desejado.
Compreendo. Então, apesar de não terem trocado e-mails durante um mês, o Uematsusan tinha uma espécie de diálogo com o Sakaguchi-san, na sua cabeça.
Não estava a tentar compor canções de que o Sakaguchi-san gostasse, mas pensava constantemente em maneiras de criar algo que reforçasse a visão de jogo que ele tivera. E sabia que eu e o Sakaguchi-san gostávamos os dois de cinema, e de música também... Bom, penso que sabemos do que o outro gosta e não gosta. (risos)
Estás a dizer que, para ti, sou um livro aberto? (risos)
Então estavas sempre a tentar encontrar maneiras de apoiar ou expandir a visão criativa do Sakaguchi-san. Agora que os ouço falar, parece que não se tratou apenas de trocar e-mails e conversar, parece que também houve um diálogo sobre gostos dentro das vossas cabeças.
Além disso, quando algo é rejeitado e tem de ser refeito, é provável que o resultado final fique melhor do que o que tínhamos feito originalmente.
A rejeição é uma parte necessária do processo, se pensarmos no resultado final.
Correndo o risco de parecer que me gabo, penso mesmo que a canção final de The Last Story é excecionalmente boa. (risos)
É uma canção muito boa! (risos)
O Uematsu-san também conseguiu encontrar uma ótima cantora.
Procuras sempre cantores que se enquadram na tua visão para uma canção particular?
Bom, suponho que depende da natureza do jogo. Tenho de levar em consideração a visão que o diretor ou o compositor da letra têm para o mundo do jogo, além de fatores como a qualidade da voz. Depois disso, é preciso encontrar o cantor e descobrir se há algo que resulta.
Há muitos fatores que interagem, para determinar se uma canção resulta ou não. Na canção final, penso que a gravação correu muito bem, com as notas de baixo que ficaram muito fortes. Escrevi a letra para esta canção e os versos são quase todos trauteados, só existe letra na última secção.
Exato! Os versos não têm letra nenhuma! (risos)
Estava um pouco preocupado com isso, por isso consultei-te, não foi?
Isso apanhou-me de surpresa. Não é algo que seja habitual... É mesmo bastante... irregular, não é? (risos) Mas o facto de não haver letra permitiu-nos usar o tema para uma certa caraterística do jogo.
Pudemos usar canções em conjunto com caraterísticas do jogo. Por exemplo, há uma parte em que perseguimos uma canção.
Se alguém quiser saber mais sobre essa caraterística misteriosa, recomendo que compre o jogo e verifique por si mesmo! (risos)
Posso perguntar uma coisa? Na canção final, há uma mudança de tom10, não há? Depois, quando se espera que comece o grande auge, de súbito a música torna-se bastante tranquila, não é? 10 Uma mudança de tom ou modulação acontece quando o tom passa, por exemplo, de sustenido a bemol. É usado com frequência pouco antes do momento alto de uma música.
Sim, tens razão.
Qual é a ideia? Foi uma espécie de mensagem que me querias transmitir? (risos)
Parece que foi muito eficaz, não foi? (risos)
Ah! Apanhaste-me com essa! (risos) Quando o tom muda, normalmente esperamos que crie um crescendo, mas na verdade torna-se mais tranquila... Senti que me querias enviar uma mensagem, por isso queria mesmo perguntar-te. (risos)
Bom, afinal, rejeitaste o meu primeiro esforço e obrigaste-me a fazer tudo do princípio! (risos)
(baixinho) Peço imensa desculpa... Mas tive de reescrever a letra, não tive?
Sim, obrigado por isso! (risos) Mas isso não muda o facto de a canção ter sido rejeitada... (dito com um suspiro)
(insistentemente) O teu primeiro esforço também foi bom, tu sabes isso!
Mas rejeitaste-o! (risos) Bom, não tenho dúvidas de que os leitores desta entrevista estarão ansiosos por ouvir a canção de que falam.
Bom, se quiserem ouvir a canção, têm de terminar o jogo... (risos)
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