Nota do editor:
esta entrevista decorreu no dia 17 de agosto de 2010.
Muito obrigado pela tua presença aqui hoje.
O prazer é meu.
É muito importante ter-te aqui hoje para uma discussão deste género. (risos)
A sério? ...Ah! Compreendo o que queres dizer! (risos)
É só porque tenho a sensação de que muitas pessoas te veem afastado de tudo o que diga respeito à Nintendo.
Sim, és capaz de ter razão.
Penso que houve certamente um ponto no passado em que isso aconteceu, sim. Mas não acho que estejas necessariamente afastado da Nintendo. Na verdade, juntaste-te a mim na conferência da Nintendo DS1, quando revelaste a ASH2. 1O evento aqui referido é a Conferência de Outono da Nintendo DS que decorreu a 5 de outubro de 2005. 2ASH: Archaic Sealed Heat é um RPG para a Nintendo DS lançado no Japão em outubro de 2007. Hironobu Sakaguchi trabalhou como produtor executivo no projeto.
Exatamente.
Agora tivemos a oportunidade de trabalhar juntos mais uma vez em The Last Story. Podes dizer-nos como este projeto surgiu?
Abandonei a Square3 em 2003 e após ter feito uma pequena pausa, comecei a trabalhar outra vez e estive envolvido no desenvolvimento de alguns títulos. Depois, quando estava a terminá-los, cheguei a um ponto em que andava a pensar muito... Bem, como é que hei de dizê-lo? Senti que poderia estar um pouco desfasado. 3Hironobu Sakaguchi supervisionou a série Final Fantasy (de FF I a FF X-2) na Square, agora Square Enix.
Dirias mesmo que não estavas a par dos tempos?
Bom, talvez não seja a melhor expressão. Apenas sentia que estava num ponto ligeiramente diferente do das outras pessoas, como se estivesse a “surfar” ao lado dos outros mas tivesse acabado por apanhar uma onda diferente daquela para a qual deveria ter apontado. Este projeto surgiu no momento em que eu estava a familiarizar-me com isto. É por isso que, para dizer a verdade, sinto uma enorme gratidão em relação a este jogo.
Podes explicar o que queres dizer exatamente com “gratidão”?
Bem, ao início senti-me grato pela oportunidade que me foi dada de trabalhar num projeto desta dimensão.
Acabou por tornar-se um jogo enorme.
Certo. E para além disso, deu-me a oportunidade de me afastar da minha fórmula habitual para fazer jogos, dos métodos familiares a que estava habituado. Tinha andado à procura de um desafio novo, pelo que estava genuinamente agradecido pela oportunidade. Embora me tenha sentido nervoso em relação a isso, fiquei grato pelo apoio que recebi neste meu novo empreendimento.
Tenho tendência a evitar usar palavras como “nervoso” quando falo em público, mas sinto que uma vez que estamos os dois envolvidos na criação de jogos, podemos ser sinceros. Quando crias algo novo e tentas alterar a forma como as coisas são feitas, isso envolve sempre sentimentos de ansiedade.
É verdade. E foi particularmente verdade neste caso.
Que aspetos deste projeto te fizeram sentir nervoso?
Bem, como podes imaginar, afastar-me da fórmula que usava para criar jogos até a esse ponto fez-me sentir nervoso. Com este título, senti mesmo que enquanto criador do jogo, estava a expor-me e estava ansioso por saber como os clientes responderiam às minhas ideias. Ao mesmo tempo, há determinadas coisas únicas que quero fazer e exprimir e, no final, acho que a minha perspetiva não é mal interpretada. Ainda assim, esta oportunidade de criar alguma coisa a uma escala tão grande e para tanta gente significou que era essencial que todas estas pessoas reconhecessem o que eu estava a tentar atingir. Ao mesmo tempo, queria chegar aos corações destas pessoas e fazer com que gostassem do jogo. Tudo isto significou que tive de me expor e lidar com este projeto diretamente.
Então dirias que estavas nervoso em relação à reação das pessoas à tua criação, o que é muito importante quando se trata de entretenimento para massas. Para além disso, isto estava aliado ao facto de que estavas a tentar fazer coisas de forma completamente nova.
Sim, tens razão. E é precisamente por isto que desta vez tive de revelar as minhas intenções.
Se tivesses feito as coisas segundo os teus métodos com créditos já firmados, saberias que se fizesses alguma coisa que seguisse x e y, as pessoas reagiriam de uma determinada forma.
Exato.
Mas desta vez entraste em terreno desconhecido.
Certo. Tive de engendrar um novo método de fazer as coisas sempre com aquela sensação de ansiedade que implica deixar a fórmula velha para trás sem saber se a nova será a solução mais adequada.
Se pudesses livrar-te desse estado de ansiedade a cerca de um mês do início do desenvolvimento, as coisas não deveriam ser tão difíceis. Mas este projeto foi bastante longo, não foi?
Foi, sim.
Demora algum tempo até se perceber bem como as coisas irão desenrolar-se, não é?
É por isso que andava sempre nervoso... Embora isso seja, na verdade, bastante prazeroso! (risos)
Certo! (risos)
Uma coisa que senti desta vez foi que deveria gostar de trabalhar nisto. Digo isto no sentido positivo, não estou a dizer que queria fazer deste período de desenvolvimento o meu tempo “de lazer”. Penso que ajuda ter esse elemento ligeiramente desconhecido...
Então quando trabalhas de acordo com uma fórmula, podes sentir-te menos nervoso em relação a certas coisas mas o risco é que o trabalho pode tornar-se bastante rotineiro. Não tens a mesma sensação de entusiasmo.
É isso.
Então, embora fiques menos nervoso, é também menos emocionante e em vez de gostares de trabalhar num projeto, há o risco de pensares nisso em termos de: “Temos de arrumar isso, temos de terminar isso”. Ao assumir o controlo e fazer as coisas de forma diferente, o preço que pagas é uma certa inquietude, mas isso não quer dizer que não sintas também entusiasmo.
Penso que tens razão.
Gostaria que me dissesses com mais exatidão o que queres dizer com "expor-te" que mencionaste. Neste título não estavas afastado do desenvolvimento do jogo. Não tinhas aquela visão geral do processo. Estavas ali mesmo na linha da frente, a tomar decisões acerca dos pormenores mais pequenos.
Correto. Dito de forma simples, pude assumir o papel de diretor para este título.
E enquanto diretor, sentias que tinhas mesmo de
Certo.
Estou correto ao pensar que não tinhas trabalhado enquanto diretor desde Final Fantasy V4? 4Final Fantasy V foi um RPG lançado originalmente na Super Famicom no Japão em dezembro de 1992.
Sim, correto. Houve um período no VI5 em que estava numa espécie de área cinzenta, em que estava a fazer metade do trabalho de diretor, mas FF V é o último título em que fui oficialmente o diretor. 5Final Fantasy VI foi um RPG lançado originalmente para a Super Famicom no Japão em abril de 1994.
Final Fantasy V foi lançado em 1992, o que significa...
Significa que fui o diretor pela primeira vez em 18 anos. E acontece que ser o diretor é o que se adequa mais a mim! (risos)
Então é o melhor papel para ti! (risos) Às vezes Miyamoto-san junta-se à equipa de desenvolvimento, e embora pareça um trabalho penoso, ele entusiasma-se e diz: “Não há melhor do que trabalhar com a equipa de desenvolvimento!” Penso que estás a descrever a mesma coisa.
Sim. Tirar tudo da cabeça e concentrares-te apenas no jogo com a equipa de desenvolvimento pode ser muito gratificante. E quando estás com a equipa de desenvolvimento, há alturas em que podes ver as coisas à tua volta de forma mais clara.
Então quando te juntas à equipa de desenvolvimento, as coisas que não conseguias ver antes tornam-se claras.
Certo. Então mesmo que estejas a fazer a mesma coisa, sentes que é mais divertido quando estás na linha da frente. Também tenho a sensação de que o entusiasmo de estar com a equipa de desenvolvimento é comunicado aos jogadores. Penso que a razão pela qual o primeiro Final Fantasy6 conseguiu subir até àquela altura foi porque toda a equipa estava bastante entusiasmada com essa ideia. 6Final Fantasy é um RPG para a Nintendo Famicom lançado em dezembro de 1987.
O entusiasmo da equipa acaba por transparecer no jogo. Isso é algo que eu cheguei a experienciar muitas vezes: as emoções dos criadores a entrarem no jogo e isso ser comunicado aos jogadores.
É por isso que desta vez dei muita importância a essa sensação. O meu objetivo era fazer com que a minha satisfação pessoal ao criar o jogo fosse convertida numa espécie de energia que seria transmitida ao jogador.
A título de curiosidade, qual foi o primeiro elemento pelo qual se decidiram no processo de criação de The Last Story?
Começámos com a história e a visão do mundo. Há 25 anos que crio jogos e sempre dei grande importância à história. Com este título não foi diferente.
Penso que a forma como sempre fizeste jogos implica ver até que ponto a história e a visão do mundo podem ser concretizadas.
Sim, tens razão.
E os ambientes evoluíram para te proporcionar a oportunidade de concretizar uma variedade de formas diferentes de as expressar à medida que o tempo vai passando...
Bem, quando começou, foi durante a era da Famicom em que os gráficos e o som significavam que estavas limitado naquilo que podias fazer.
Tudo o que podíamos mostrar no ecrã era algo como representações vagas.
Sim. Tivemos de considerar a forma como deveríamos transmitir a história aos jogadores com tais restrições. Agora que os gráficos de alta qualidade são standard, é possível reproduzir o que queres comunicar visualmente mas ao mesmo tempo, não sei como dizê-lo mas há um elemento ligeiramente excessivo em tudo isto...
O jogador acaba por ser capaz de ver coisas que preferirias não mostrar.
Acabas por comunicar demasiado ao jogador. É por isso que agora sinto que estamos num ponto de viragem. Com este título, premi “reset” e regressei às noções básicas de um jogo. Comecei por despender muito tempo a considerar o que significa contar uma história num jogo. Mas foi para além de considerar simplesmente o lado da história das coisas; olhei outra vez para os elementos fundamentais do aspeto do sistema.
Passaste muito tempo a pensar nesses elementos fundamentais, não foi?
Foi. É por isso que fizemos várias experiências com o aspeto do sistema nas fases de protótipo do desenvolvimento do jogo. Sabia que queríamos fazer alguma coisa que diferisse da forma como as coisas haviam sido feitas antes. Queríamos exprimir o mundo do jogo e a história através de uma nova forma e sinto que lhe demos tudo o que tínhamos.
Pergunto-me se esta sensação de dar tudo o que tens se reflete no nome “The Last Story”.
Sim. Tal como fizeramos com Final Fantasy, demos tudo o que tínhamos, como se este fosse o último jogo que iríamos fazer. Mas devo dizer que esta sensação foi particularmente forte neste título.
Então incluíste tudo para que não houvesse arrependimentos se este fosse o último jogo.
Exatamente. Quer dizer, se fizesse asneira, seria obrigado a reformar-me... (risos)
(risos)
Claro que quero continuar a trabalhar de forma criativa o resto da minha vida mas quando estás num projeto desta dimensão, precisas da tal sensação do que significaria caso falhasses. Ao mesmo tempo, queria criar alguma coisa com a qual sentisse que tinha tido liberdade para dar tudo, onde não poderia ter feito mais.
Lembro-me que a minha colega que tinha sido designada para esse projeto me disse que se tinham decidido por esse título. Sentia mesmo que deverias dar tudo o que tinhas.
Bem, afinal é mesmo a “Last Story”! (risos)
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