Tenho a sensação de que vocês os dois estão envolvidos num jogo do apanha, já que o Sakaguchi-san te “atira” a visão do mundo do jogo que quer criar, que tu depois apanhas e lhe devolves em forma de música.
Sim, tens razão. No princípio, havia um vazio entre o que o Sakaguchi-san queria e o que eu tentava exprimir, mas, com o passar do tempo, o Sakaguchi-san deixou de me tentar dizer o que fazer. Desde o primeiro Final Fantasy que ele deixa tudo ao meu critério.
A única vez em que tivemos opiniões diferentes foi no primeiro título Final Fantasy, não foi?
Exato. Mas sempre foste muito específico em relação à direção global dos jogos que crias. Isso foi notório no caso de The Last Story.
Então, para o Sakaguchi-san, é extremamente importante que os elementos do jogo se enquadrem todos na sua abordagem geral. Ele dá-te liberdade para exprimires as coisas do modo que queres, na tua área de especialização, mas recusa-se a fazer compromissos quando se trata da sua visão geral para o jogo.
É verdade. Ele diz-nos sempre quando seguimos pelo caminho errado. O Sakaguchisan também compõe música, por isso é muito exigente nesse aspeto. Creio que é difícil atirar-lhe areia para os olhos! (risos)
Faço-lhe perguntas sobre a música e digo: “Não estás a inventar com os acordes aqui?” (risos)
Ah, custa ouvir essas palavras, sobretudo quando sabemos que somos culpados dessas coisas... (risos)
Custa, sem dúvida! (risos) Recordo que o Sakaguchi-san uma vez apareceu no estúdio durante as gravações, e havia uma única nota no lugar errado. Disse: “ei, essa nota não combina com as outras.” Depois foi-se embora, não disse mais nada.
Muito impressionante, não achas? (risos)
É sem dúvida bastante diferente do episódio em que mudaste de opinião quando a ordem das músicas de FF1 foi alterada. (risos)
(risos)
Falámos da importância da direção global do jogo para ti, Sakaguchi-san. Mas com que exatidão transmites a tua visão ao Uematsu-san? Deve ser difícil explicar algo tão abstrato como isso?
É. Podemos explicar o mundo do jogo ou a história com palavras, mas, sem imagens reais, pode ser difícil transmitir a nossa visão da direção global. Por isso, o Uematsu-san trabalha a música vezes sem conta, enquanto jogamos uma espécie de jogo do apanha. Mas eu tenho cuidado para não lhe dar instruções demasiado específicas. Não digo coisas como: “Devia soar como esta parte desta ópera...” Se fizer isso, ele acaba por se sentir preso a essa música em particular e o resultado final não será bom.
Deve ser uma tarefa muito delicada, transmitir a tua visão sem travar a inspiração criativa de alguém.
É, de facto. Eu acabo por dizer: “Desculpa, Uematsu-san. Não é isso!”
É verdade, ele nunca me disse o nome de uma música específica. Penso sempre na melhor maneira de lhe apresentar a música, mas não é possível enganá-lo. Se não fazemos tudo bem, ele diz-nos. (risos)
(risos)
O que eu percebi, depois de trabalharmos juntos estes anos todos, foi que não há nada que substitua um empenho total. Posso ler o cenário e ter ideias baseadas nisso, mas se as apresentar ao Sakaguchi-san e ele disser que estão erradas, não vale a pena pôr em causa a decisão dele. No final, ele é o único com a visão do que quer criar, por isso quando diz que algo está errado, está mesmo errado.
Percebes que a tua interpretação de como o jogo deve ser é diferente da dele.
Exato.
Porque é que acham que vocês os dois conseguiram continuar com este jogo do apanha ao longo de tantos anos?
Não sei se me compete dizer isto, mas acho que o Uematsu-san tem um lado surpreendentemente sério, que por vezes partilha comigo.
Surpreendentemente sério, diz ele! (risos)
Bem, ele tem um lado preciso e metódico, de seriedade. Penso que é algo que transmite na sua música. Sinto que conseguimos comunicar.
Talvez partilhemos muitos dos mesmos valores. Muitas das coisas que consideramos importantes são iguais.
Ah, pode ser isso.
Pode parecer um pouco simplista, mas o trabalho não se resume a ganhar dinheiro. Acho que isso é algo em que ambos acreditamos. Temos de ser atenciosos para com os nossos pais, cuidar da nossa família, reunir com os nossos amigos para um copo ocasional. Acho que eu e o Sakaguchi-san partilhamos a capacidade de apreciar coisas bastante simples como essas.
Parece realmente que partilham um conjunto de valores semelhantes, e é por isso que podem confiar um no outro e compreender o que o outro procura e, ao mesmo tempo, são capazes de discutir problemas. Acho que, nas indústrias criativas, é muito importante manter uma relação próxima e produzir resultados consistentes.
Penso que, com a música, há melodias de que gostamos assim que as ouvimos, e depois há aquelas canções ligeiramente mais invulgares que algumas pessoas adoram e outras não. Creio que a música do Uematsu-san pode, por vezes, dividir as pessoas, mas as melodias têm sempre algo de insistente. Quando as ouço, quero fazer um esforço para aceitar essa música.
Fico muito feliz por te ouvir dizer isso.
Ouço e percebo que algo mudou em mim. Começo até a pensar que talvez seja uma boa ideia adaptar o jogo para que encaixe na música.
A julgar pela tua resposta à música, parece que sentes que a música foi capaz de exprimir algo que tu não conseguiste imaginar desde o início. Parece mesmo que vocês têm uma relação muito especial.
Para este título, pedi ao Uematsu-san que compusesse cerca de 40 peças de música, e sinto que The Last Story muda à medida que ouvimos a música. Esse é o poder das melodias do Uematsu-san. Não é apenas a música que é bonita, é também o facto de transmitir a humanidade dele. As canções dele são imediatamente reconhecíveis como suas.
Não duvido que a grande maioria dos fãs do Uematsu-san concorde plenamente contigo.
(suspiro) Desde que não me descubram... Quem sabe quando a máscara poderá cair, para revelar a verdade...
O que queres dizer com isso?
Bom, apesar de fazer isto há tanto tempo, nunca tive confiança na minha própria música.
Isso é algo que sentes desde o início da tua carreira?
Sim, é. Há uma ou duas músicas em cada jogo de que gosto bastante, mas nunca consigo deixar de pensar que um dia vão perceber que me falta algo.
Compreendo que deve ser desconfortável ser elogiado por algo que não te convence totalmente. Mas diria que essa é uma característica partilhada por todos os tipos de pessoas criativas que tiveram sucesso nas suas áreas. É precisamente esse sentimento que faz com que te empenhes mais no projeto seguinte. Creio que, para as pessoas criativas, esses sentimentos são bastante importantes, na verdade.
É verdade, quero sempre fazer as coisas melhor na vez seguinte.
Não duvido que o empenho com que fazes o teu trabalho é transmitido ao jogador que ouve a tua música. E é isso que te tem mantido na linha da frente da tua área durante tanto tempo.
Bom, não penso que esteja na linha da frente de nada! (risos) Mas muito obrigado.
Creio que, nas indústrias criativas, é muito raro e valioso haver uma parceria que permanece intacta há um quarto de século e que continua a destacar-se.
Dito dessa maneira, já passou bastante tempo, não? Cerca de 25 anos. Mario acaba de celebrar o 25.º aniversário e nós fazemos o mesmo...
Um quarto de século... (risos)
Penso que é inacreditável que o núcleo da equipa Mario continue a trabalhar em conjunto, 25 anos depois. E, agora que falo com os dois, fiquei convencido de como é importante ter uma relação que pode sobreviver tanto tempo.
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