Com o Sakaguchi-san a aceitar um desafio tão grande com The Last Story, imagino que o que ele procurava da música era diferente dos projetos anteriores. Ouvi dizer que foi bastante difícil para ti satisfazer essas exigências, Uematsu-san. Podes falar-me um pouco sobre isso?
Claro que sim. Pela primeira vez em muito tempo, dei por mim no caminho errado e foi uma tarefa muito complicada. Quando o Sakaguchi-san me falou deste projeto, aceitei-o prontamente, e disse-lhe que, se ele concordasse, eu o faria. Pediu-me que começasse a trabalhar no tema principal, na música de batalha e na música para a cidade. Fiz o que é habitual fazer e apresentei-lhe o trabalho... Foi aí que recebi um e-mail muito, muito longo, onde ele basicamente dizia: “Isto está tudo mal!”
(risos)
Então ele não te disse apenas que estavas no caminho errado. Disse-te que estava tudo mal! (risos)
O e-mail foi muito direto: “Isto está tudo mal!” (risos)
E o e-mail era bastante longo, depois disso.
Exato. Começou por me dizer o que queria alcançar com este jogo, e acabou a pedir que fizesse tudo de novo. Pensei: “Está bem, isto é sério.” Mas não tinha alternativa, não podia desanimar. (risos) Tive de pôr completamente de parte todas as ideias que tinha sobre The Last Story.
O Sakaguchi-san foi tão claro que, de uma só vez, fez com que todas as ideias e imagens que tinhas sobre The Last Story se tornassem inutilizáveis.
É verdade. Depois, quando pensei no que tinha feito mal, cheguei à conclusão de que aconteceu porque o Sakaguchi-san tinha proposto a si mesmo um desafio totalmente novo. Percebi que ele não tinha qualquer intenção de continuar a fazer jogos RPG semelhantes aos que haviam sido feitos antes.
Então houve um desejo de realizar algo que não podia ser feito seguindo apenas a fórmula antiga. E esse foi o desafio para este projeto.
Exato. Nos títulos em que trabalhei até então, como FF, Lost Odyssey7 e Blue Dragon8, tinha a consciência de que seguiam o padrão clássico dos jogos RPG. Mas sabia que isso não seria suficiente, neste caso. Não bastava criar um estilo de música diferente. Sabia que teria de alterar radicalmente o modo como abordava a tarefa. 7Lost Odyssey é um jogo RPG criado pela Mistwalker lançado no Japão, em dezembro de 2007. Hironobu Sakaguchi supervisionou o projeto como produtor. 8Blue Dragon é um jogo RPG criado pela Mistwalker lançado no Japão, em dezembro de 2006.
Então percebeste que não terias alternativa, terias de te esforçar mais e redefinir a abordagem que desenvolveram juntos ao longo de 25 anos de colaboração.
Sim, tive de me esforçar. Neste projeto, senti mesmo que estava metido numa alhada... (risos)
Quando leste o meu e-mail, imagino que tenhas sentido que te devia ter dito tudo aquilo no início! (risos)
Bom, sim. Por isso, tive mais um mês para alterar tudo.
A música de batalha foi particularmente difícil, não foi? Alterei por completo o sistema de batalha neste título, quis que a ação acontecesse em tempo real. Para isso, queria que a música tivesse o mesmo tipo de urgência. Mas não sabia ao certo como alguém podia transmitir uma sensação de “tempo real” através da música, por isso tivemos mesmo de seguir a abordagem de tentativa e erro.
Num jogo RPG normal, a música usada para as lutas que acontecem no campo de batalha é geralmente uma peça curta. Derrotar os inimigos não demora muito tempo, por isso a música raramente será mais do que um loop de 30 segundos. Mas pressenti que isso não aconteceria neste caso...
Então a nova abordagem ao sistema de batalha também deu origem a uma abordagem totalmente diferente à música, por isso não tiveram alternativa. Deitaram fora as regras antigas e começaram de novo.
É verdade. Por isso, comecei por refazer o tema das batalhas, que ficou muito mais longo. Diria que acabou por ter cerca de cinco minutos...
É verdade. Acabou por ser muito mais longo do que eu imaginara. (risos) E a melodia até mudou a meio, por isso parecia uma sinfonia, composta por três movimentos diferentes. No fundo, o Uematsu-san voltou com algo que era simplesmente fora do normal. (risos)
Acabámos por pedir à equipa de desenvolvimento que a editasse e dividisse, para que secções distintas fossem usadas em situações de luta diferentes. Compor essa música foi um verdadeiro desafio.
Ao trabalhar nessa música de batalha, conseguiste perceber qual era a minha visão para o jogo. Mas recordas-te que, quando enviaste essa música, veio com um e-mail que dizia “se não for isto que procuras, acho que é melhor eu desistir deste projeto”?
A sério? É verdade? Ah, parece que estava a levar a situação muito a sério. (risos)
Quer dizer que não te lembras? Envio-te o e-mail mais tarde! (risos)
Pensar que, depois de todos os problemas que já superaram juntos ao longo dos últimos 25 anos, vocês tiveram essa conversa! É bastante dramático.
De certeza que disse isso porque tinha confiança na música que recriara.
Ou, para dizer de outro modo, se eu rejeitasse essa música, iria provar que não partilhavas a minha visão para o jogo. Na verdade, tenho uma pequena confissão a fazer. Quando respondi a esse e-mail, enviei-o por engano para toda a equipa de desenvolvimento.
Ei! (risos)
Ficaram todos em pé de guerra. Perguntaram-me: “Sakaguchi-san, o que é que se passa? O Uematsu-san vai mesmo desistir?” Causou uma grande confusão, deixa-me que te diga! (risos) Por isso, no fundo toda a equipa sabia o que se passava. (risos)
Isso é verdade? (risos) Foi tudo muito sério, não foi?
Mas, em todo o tempo que trabalhámos juntos, esse tipo de incidentes tem sido extremamente raro, não tem?
De facto, há muito tempo que não acontecia nada semelhante. Quando trabalhamos nesta indústria há mais de 20 anos, aprendemos a guardar as coisas para nós, mesmo que isso não nos agrade muito.
E também é desagradável para a pessoa que diz que algo tem problemas.
Exato. Acho que, quando recebi aquele e-mail do Sakaguchi-san, que dizia que tinha feito tudo mal, percebi como era importante nunca tomar nada como garantido, ou nunca esquecer a inocência e a sinceridade que existem quando começamos. É possível que tenha perdido um pouco disso e esquecido como era embarcar num desafio novo.
Suponho que não ouvias uma reação negativa há algum tempo.
Sim, é verdade. Quer dizer, isto foi uma rejeição incontestável. (risos)
A música refeita que enviaste era totalmente diferente da primeira peça.
Bom, eu seguira um caminho completamente errado.
Por isso é que tive de escrever aquele e-mail.
Não, não faz mal. Afinal, no fim, acho que me ajudou bastante. Teria sido muito confuso se me dissesses apenas: “Esta parte é boa, mas gostava que alterasses esta parte.”
Para isso, terias de ceder na tua visão para o jogo. Foi exatamente por causa da crítica tão desfavorável do Sakaguchi-san que conseguiste dar o passo seguinte.
Mas, como podem imaginar, nesse mês tivemos os nervos em franja.
Receber uma rejeição total deve ter sido difícil para o Uematsu-san, mas também deve ter sido muito difícil para ti, Sakaguchi-san. Afinal, tiveste de rejeitar algo que sabias que o Uematsu-san tinha criado de corpo e alma.
Exato. Foi um mês longo. Na verdade, tive medo de não receber uma resposta àquele e-mail...
Oh, não tinhas de te preocupar com isso! (risos) Durante esse mês, concentrei-me bastante e tive imensas ideias. A minha experiência dizia-me que essas ideias provavelmente não seriam rejeitadas.
Não te contiveste nada naqueles cinco primeiros minutos da música de batalha, com todos os elementos que usaste.
De certeza que percebeste o empenho do Uematsu-san. Invejo bastante a relação que vocês têm e que vos permite ter esse tipo de troca.
Bom, se usarmos apenas este episódio como exemplo, parece que somos uma equipa bastante boa, não parece? (risos)
Mesmo ignorando este episódio, tenho a certeza de que vocês são uma equipa fantástica! (risos)
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