Acredito que, se os jogos forem desenvolvidos deste modo no futuro, vão precisar de um diretor de áudio.
Falas de alguém que supervisione a criação de todo o conteúdo áudio?
Exato. Mas não me refiro à pessoa que cria a música. Refiro-me a alguém cujo papel é supervisionar todo o processo, do som ambiente ao modo como a música é usada e à sua exatidão. Penso que esse é um cargo que poderá ser necessário nos videojogos do futuro.
Sim, dar mais atenção aos pormenores do design de áudio traria muito mais realismo. Mas esse papel especializado não existe. Creio que os jogos ainda não estão nessa fase.
Na vida real, a impressão que temos altera por completo, dependendo da energia do som. Como é difícil ser-se objetivo sobre algo que nós próprios criámos, aquilo de que falamos é de alguém que não foi responsável pela criação da música ou do som ambiente, mas que é responsável pelo equilíbrio geral.
Sim. Isso é algo muito difícil de fazer, se formos a pessoa que criou o conteúdo áudio.
Não há dúvida de que a impressão que temos de uma canção se altera por completo quando é misturada na perfeição com o som ambiente e de fundo.
Bom, num filme de duas horas, nunca ouvimos música durante toda a sua duração. E penso que começa a tornar-se possível usar música nos videojogos tal como é usada no cinema.
Há pouco, o Sakaguchi-san falou da música nos RPG até hoje, onde o seu papel tem sido semelhante ao da música que ouvimos enquanto corremos. Penso que era por isso que os jogos precisavam de música que os jogadores podiam ouvir continuamente, sem se cansarem dela. Mas, com este jogo, o Sakaguchi-san propôs-se um desafio novo, e penso que quis que o jogador sentisse que a música tinha sido abordada de um modo diferente.
Sim, é verdade. Quero que os jogadores ponham o volume o mais alto possível! (risos)
Então não tiveste a tarefa de implementar o som no jogo, Sakaguchi-san? Suponho que pedes à pessoa responsável pelo áudio para a implementar, e depois corriges apenas as partes que pensas não estarem perfeitas.
O membro da equipa de desenvolvimento responsável pelo áudio trata de 80 ou 90% da implementação.
Uematsu-san, sentes que o modo como a música foi usada se enquadra naturalmente no jogo?
Penso que funciona muito naturalmente. Existiu um período em que houve uma troca de e-mails entre mim, o Sakaguchi-san e a pessoa responsável pelo som, onde discutimos a música em todos os seus pormenores. Tive dificuldade em seguir partes da discussão, mas fiquei satisfeito com o resultado final. Quando trabalhamos na música sozinhos, longe da equipa de desenvolvimento, por vezes podemos perceber tudo ao contrário e acabamos por seguir na direção errada.
Esse é sempre o aspeto difícil de criar algo, quando estamos um pouco afastados do processo de desenvolvimento principal.
Sim... É muito aborrecido, na verdade! (risos)
Bom, não se pode evitar! A música é o teu bebé e tens de tomar conta dele! (risos)
Não, não estou a queixar-me disso! (risos) Quero dizer que, quando trabalhamos no mesmo escritório, podemos encontrar-nos e discutir coisas, não podemos?
É verdade, quando nos encontramos várias vezes, podemos mencionar certos aspetos e chegar a acordo facilmente, mas, se trabalharmos sozinhos, temos de nos dar ao trabalho de escrever e-mails sobre esses assuntos.
E há várias coisas que são difíceis de exprimir com palavras.
Talvez isso aconteça em todo o processo de desenvolvimento de um videojogo. Antigamente, podíamos explicar verbalmente o tipo de jogo que queríamos criar. Mas, agora, há tantas pessoas envolvidas e a dimensão do processo cresceu tanto, que há elementos do jogo que temos mesmo de escrever e incluir em documentos de design, para garantir que todos os compreendem.
Creio que, quando embarcamos num projeto novo, seria ideal começar com uma equipa pequena, para que os documentos de design não fossem necessários. Desse modo, podemos falar de tudo e brincar com as ideias que surgem, incluí-las logo no programa e testá-las. Isso faz com que a direção global do jogo seja mais clara. Penso que esse é um processo muito importante. Se o primeiro passo de um projeto novo é criar os documentos de design, essa parte do processo torna-se bastante longa.
Sim, pode tornar-se complicado. É muito difícil tentar escrever tudo e incluir isso num documento.
E perguntas a ti mesmo porque é que as pessoas não compreendem o que queres fazer. Torna-se muito frustrante! (risos)
É nesses momentos que queremos dizer: “Ouve, tens de vir aqui e falar comigo!” (risos)
Então comunicaste por e-mail com o membro da equipa de desenvolvimento responsável pelo áudio, para garantir que a música que criaste era dividida e integrada no jogo de forma natural.
Sim. E, após alguns meses, fui ver como estava o processo e foi uma grande surpresa. Lembro-me de pensar: “O que aconteceu a esta canção?” (risos) Acabou por ser usada de um modo que superou todas as minhas expectativas.
O que é que pensas do facto de as tuas canções terem sido divididas em secções?
Oh, não me importei nada, porque funcionavam bem no jogo. Senti especialmente que o modo como a música de batalha é agora usada no jogo é muito melhor do que ouvir os cinco minutos da música.
Então ficas feliz por ver que a música que criaste tem uma dimensão extra. Quando os jogadores dizem que a música é fantástica, isso é o resultado da combinação de esforços do Uematsu-san, que a compôs, e da pessoa responsável por a implementar no jogo.
É verdade. Mas claro que podem pensar que fiz tudo sozinho... (risos)
(risos)
Foi a primeira vez que a música do Uematsu-san foi assim tão dividida.
(risos)
Então, normalmente, a música não é tão dividida?
Diria que, normalmente, 20% da música é dividida desta maneira, no máximo.
Bom, as peças foram compostas por vários elementos diferentes, por isso as melodias funcionavam mesmo divididas em várias secções. Sinto que tive sorte, porque a música foi cortada por alguém que compreendeu como foi construída.
Peço desculpa por usar esta entrevista para verificar coisas... (risos) Mas queria perguntar o que pensas da versão da canção que criámos e que não tem a introdução. Concordas com isso?
Oh, não há qualquer problema.
Acredito que o Uematsu-san pensa que há partes da música que podem ser alteradas sem qualquer problema, mas não quer que toquem noutras.
Sim, creio que é verdade. Senti que podia ser perigoso tirar a introdução da canção, por isso queria ter a certeza absoluta... De certeza que não há problema?
A sério, não faz mal! Se não gostasse, dir-te-ia! (risos)
A conversa de hoje fez-me perceber como é incrível que duas pessoas criativas, que trabalham juntas há mais de 25 anos, ainda consigam sentir entusiasmo por aquilo que fazem e continuem a aceitar desafios novos.
Sim, tens toda a razão.
Gostava que cada um dissesse algo sobre a música aos leitores que esperam ansiosos por “The Last Story”. Podemos começar por ti, Uematsu-san?
Ao trabalhar neste jogo, sinto que recuperei o espírito que tinha quando comecei a minha carreira. Não sei qual vai ser a resposta, mas, neste momento, posso dizer que acredito que criámos algo verdadeiramente interessante.
Pela primeira vez em muito tempo, tiveste de criar algo completamente novo e, ao ver esse desafio novo chegar ao fim, sentes que criaste música em que acreditas bastante.
Sim, é verdade. Então e tu, Sakaguchi-san?
Bom, deixa-me pensar... Pessoalmente, sou um grande fã dos ritmos que o Uematsu-san usa, que fazem lembrar os tambores “taiko” japoneses. Fico muito contente por esse tipo de ritmo ser bastante usado no jogo. Há também canções que usam a voz humana de modos muito invulgares. Como disse antes, quero que os jogadores apreciem esta música e estes ritmos bem alto, se possível. Acredito que os fãs de música vão ficar muito satisfeitos.
Acredito que os fãs de música de videojogos estão bastante entusiasmados com este título. Vocês os dois aceitaram um desafio novo, têm confiança no resultado final e incentivam os jogadores a ouvir a música. Vão precisar de bons altifalantes para este jogo.
Lembrem-se de pôr o volume um pouco mais alto do que é habitual! (risos)
Muito obrigado aos dois.
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