Então, após um ano a trocar bolas, já quase tinham completado o cenário para este título. Mas pergunto-me, Takeda-san, se houve coisas em particular às quais prestaste atenção no cenário para um videojogo, dado que normalmente trabalhas em cenários para TV e filmes.
Como normalmente trabalho na escrita para TV e filmes, sei que a arma mais efetiva no arsenal de um escritor de cenários é o elemento “surpresa”.
Certamente, quando algo de surpreendente acontece, isso agarra o espetador. Normalmente, se as coisas correrem precisamente conforme o esperado, não ficarão comovidos.
Pois. É por isso que podes dizer que, de certa forma, os programas de televisão de meia hora são construídos usando os elementos de surpresa e de traição de expectativas.
Construídos a partir de “surpresa e traição”... é uma forma interessante de o dizer! (risos)
Certo, mas o que sentia quando jogava era que o herói contrariava os teus desejos, dizendo algo que não querias dizer, ou traindo-te com alguma ação que não querias tomar, fazendo-te sentir que não era nada daquilo que querias que acontecesse.
Então estás a dizer que existem ocasiões em que a personagem, que tinhas sido tu até àquele ponto, subitamente se torna outra pessoa.
É isso mesmo. Já jogo há décadas e senti isso muitas vezes. Foi por isso que não usei “traição” nesse sentido. Evitei usar a palavra “traição” e “surpresa” em relação às palavras e às ações vindas do próprio herói, e decidi usá-las apenas nos eventos variáveis que ocorrem no mundo exterior. Como foi a primeira vez que tive a oportunidade de estar envolvido a fundo num único título, tinha uma consciência acrescida destes problemas quando estava a criar a história.
Falaste sobre esse tipo de coisas com Takahashi-san?
Não, acho que não discuti isto com ele. Como foi a primeira vez que estive tão envolvido num projeto destes, havia certas regras que eu havia estabelecido.
Takahashi-san, notaste que Takeda-san estava a seguir este tipo de regras?
Não propriamente, mas discutimos uma coisa muito semelhante logo ao início. O herói deste jogo é Shulk, e fizemos questão que um dos temas fosse “um herói não-odiado”.
Podes dizer-me especificamente como tentaste atingir isso?
É algo que senti em relação aos meus próprios jogos, claro, assim como em relação a jogos de outras pessoas. Essencialmente, muitas vezes os heróis e heroínas em RPG acabam por ser odiados. Naturalmente existem também personagens amadas, mas diria que, no geral, acabam a ser odiadas. Acho que isso advém do grande investimento emocional que o jogador fez no herói ou na heroína.
Esse é o reverso da moeda. Precisamente porque os jogadores gostam tanto deles, esse amor todo pode transfomar-se facilmente em ódio. Mas desta vez estabeces a ti próprio o desafio de evitar isto.
Certo. Prestámos muita atenção a este problema. Na verdade, imediatamente antes desta entrevista, pedi à equipa do Mario Club8 para me dar a sua opinião sobre o herói, e acontece que nenhum deles desgostava minimamente dele. Na verdade, sempre tinham sentido afeto em relação ao herói e aos seus companheiros. Fiquei muito feliz quando ouvi isso. 8Mario Club Co., Ltd. efetua deteção de bugs, testes e controlo de qualidade do software da Nintendo em desenvolvimento.
Estou certo de que isso acontece porque queriam que o jogador simpatizasse com o herói e os seus companheiros. Pode parecer algo estranho falar de Mario nesta conjuntura, mas quando falei com Miyamoto-san sobre Super Mario Galaxy 2, ele disse que Iwata Pergunta - Super Mario Galaxy 2. Acho que a ideia de “impacto” está intimamente ligada ao que tens vindo a dizer sobre criar um “herói que não é odiado”.
Certo. As personagens jogáveis fazem parte de ti e, por isso, não deverão pensar nem fazer coisas que não queiras. Com os RPG, só há uma forma de fazer com que o herói não seja odiado, que é fazer com que não diga uma palavra.
Se não disserem nada, é menos provável que o jogador se sinta alienado deles.
Pois é. Fazer com que a personagem não diga nada é fácil mas neste título queríamos que ele falasse. Isto significou que procurávamos uma forma de obter o tal “impacto”. No final, acho que conseguimos alcançar isso.
E agora tens os membros do Mario Club a dizerem-te que toda a gente sentiu afeto pelas personagens.
Senti que tivemos uma reação muito positiva. Na verdade, esta é a primeira vez que alguém me disse uma coisa dessas.
Então após todos esses anos que passaste a fazer jogos, dirias que esta é a primeira vez que o herói e os seus companheiros não foram odiados?
Penso que isso é verdade.
Isso é surpreendente. Takeda-san, o que achas?
Sob risco de estar a dispersar-me do assunto, acho que se pegarmos nessa questão do silêncio, nos títulos que Takahashi-san fez até agora, terás uma ou duas personagens na tua equipa e haverá sempre uma que não diz nada. Só me apercebi disso quando escrevi o cenário para este título, mas quando cada membro da equipa fala, torna-se muito duro escrever os tais diálogos. E foi só quando estava incumbido de escrever o cenário...
Então só descobriste isso depois de já teres começado a trabalhar nele.
Exatamente! (risos) Descobri que se não te certificares de que tens uma personagem que não fala, os diálogos tornam-se chatos. Só me apercebi disso depois de o trabalho já ter começado.
Há pouco falámos sobre a diferença entre jogos e anime, e eu diria que em termos da “gramática” dos dois, a maior diferença reside aí. Num jogo com um herói solitário, em que o jogo é construído com isto em mente, não vais ter um grande problema. Mas, por outro lado, com os RPG...
Tens uma equipa, não é?
Isso significa que, por exemplo, com uma equipa de cinco pessoas tens de fazer com que os cinco membros apareçam juntos uma vez que não tens a certeza do membro da equipa com o qual o jogador mais se identifica.
Não dá para simplesmente ignorar um deles, pois não? Não podes fazê-lo de forma que não apareçam.
Numa série de TV ou num filme, poderias ter cada um dos cinco membros num local separado e mostrar todo o tipo de situações. Podes depois tornar a história mais complexa ou alterar o ritmo. Mas num jogo, e especialmente num RPG, os cinco membros da equipa precisam de estar no mesmo local. Isto é muito específico dos videojogos.
Isto significa que quando há um acontecimento em particular, precisas de mostrar como cada um deles reage a ele.
Para além disso, uma vez que cada uma das personagens tem a sua própria personalidade, tens de manter essa personalidade para que os jogadores continuem a sentir empatia para com eles. A forma como distingues as personagens e ajustas o ritmo poderá ser a maior diferença entre anime e videojogos.
Uma vez que eu só me apercebi disto depois de começar o trabalho, arrependi-me ligeiramente de o ter feito de forma que uma ou duas personagens não falassem, já que isso teria sido mais fácil. Olhando para trás agora, vejo que no trabalho inicial de Takahashi-san, este problema fora considerado. Então apercebi-me de que era esse o raciocínio por detrás desta e daquela personagem.
E como resolveste este problema? Desculpa, mas estou muito interessado... (risos)
Foi uma questão de pura força bruta! (risos) Não tive hipótese senão escrever um monte de falas!
Estou a ver! (risos) Então não existem personagens mudas em Xenoblade Chronicles?
Não. Por isso, gostaria que os jogadores desfrutassem do diálogo até ao final.
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