3. Um herói que não é odiado

Iwata:

Então, após um ano a trocar bolas, já quase tinham completado o cenário para este título. Mas pergunto-me, Takeda-san, se houve coisas em particular às quais prestaste atenção no cenário para um videojogo, dado que normalmente trabalhas em cenários para TV e filmes.

Takeda:

Como normalmente trabalho na escrita para TV e filmes, sei que a arma mais efetiva no arsenal de um escritor de cenários é o elemento “surpresa”.

Iwata:

Certamente, quando algo de surpreendente acontece, isso agarra o espetador. Normalmente, se as coisas correrem precisamente conforme o esperado, não ficarão comovidos.

Takeda:

Pois. É por isso que podes dizer que, de certa forma, os programas de televisão de meia hora são construídos usando os elementos de surpresa e de traição de expectativas.

Iwata:

Construídos a partir de “surpresa e traição”... é uma forma interessante de o dizer! (risos)

Takeda:

Certo, mas o que sentia quando jogava era que o herói contrariava os teus desejos, dizendo algo que não querias dizer, ou traindo-te com alguma ação que não querias tomar, fazendo-te sentir que não era nada daquilo que querias que acontecesse.

Iwata:

Então estás a dizer que existem ocasiões em que a personagem, que tinhas sido tu até àquele ponto, subitamente se torna outra pessoa.

Takeda:

É isso mesmo. Já jogo há décadas e senti isso muitas vezes. Foi por isso que não usei “traição” nesse sentido. Evitei usar a palavra “traição” e “surpresa” em relação às palavras e às ações vindas do próprio herói, e decidi usá-las apenas nos eventos variáveis que ocorrem no mundo exterior. Como foi a primeira vez que tive a oportunidade de estar envolvido a fundo num único título, tinha uma consciência acrescida destes problemas quando estava a criar a história.

Iwata Asks
Iwata:

Falaste sobre esse tipo de coisas com Takahashi-san?

Takeda:

Não, acho que não discuti isto com ele. Como foi a primeira vez que estive tão envolvido num projeto destes, havia certas regras que eu havia estabelecido.

Iwata:

Takahashi-san, notaste que Takeda-san estava a seguir este tipo de regras?

Takahashi:

Não propriamente, mas discutimos uma coisa muito semelhante logo ao início. O herói deste jogo é Shulk, e fizemos questão que um dos temas fosse “um herói não-odiado”.

Iwata Asks
Iwata:

Podes dizer-me especificamente como tentaste atingir isso?

Takahashi:

É algo que senti em relação aos meus próprios jogos, claro, assim como em relação a jogos de outras pessoas. Essencialmente, muitas vezes os heróis e heroínas em RPG acabam por ser odiados. Naturalmente existem também personagens amadas, mas diria que, no geral, acabam a ser odiadas. Acho que isso advém do grande investimento emocional que o jogador fez no herói ou na heroína.

Iwata:

Esse é o reverso da moeda. Precisamente porque os jogadores gostam tanto deles, esse amor todo pode transfomar-se facilmente em ódio. Mas desta vez estabeces a ti próprio o desafio de evitar isto.

Takahashi:

Certo. Prestámos muita atenção a este problema. Na verdade, imediatamente antes desta entrevista, pedi à equipa do Mario Club8 para me dar a sua opinião sobre o herói, e acontece que nenhum deles desgostava minimamente dele. Na verdade, sempre tinham sentido afeto em relação ao herói e aos seus companheiros. Fiquei muito feliz quando ouvi isso. 8Mario Club Co., Ltd. efetua deteção de bugs, testes e controlo de qualidade do software da Nintendo em desenvolvimento.

Iwata:

Estou certo de que isso acontece porque queriam que o jogador simpatizasse com o herói e os seus companheiros. Pode parecer algo estranho falar de Mario nesta conjuntura, mas quando falei com Miyamoto-san sobre Super Mario Galaxy 2, ele disse que Iwata Pergunta - Super Mario Galaxy 2. Acho que a ideia de “impacto” está intimamente ligada ao que tens vindo a dizer sobre criar um “herói que não é odiado”.

Takahashi:

Certo. As personagens jogáveis fazem parte de ti e, por isso, não deverão pensar nem fazer coisas que não queiras. Com os RPG, só há uma forma de fazer com que o herói não seja odiado, que é fazer com que não diga uma palavra.

Iwata:

Se não disserem nada, é menos provável que o jogador se sinta alienado deles.

Takahashi:

Pois é. Fazer com que a personagem não diga nada é fácil mas neste título queríamos que ele falasse. Isto significou que procurávamos uma forma de obter o tal “impacto”. No final, acho que conseguimos alcançar isso.

Iwata Asks
Iwata:

E agora tens os membros do Mario Club a dizerem-te que toda a gente sentiu afeto pelas personagens.

Takahashi:

Senti que tivemos uma reação muito positiva. Na verdade, esta é a primeira vez que alguém me disse uma coisa dessas.

Iwata:

Então após todos esses anos que passaste a fazer jogos, dirias que esta é a primeira vez que o herói e os seus companheiros não foram odiados?

Takahashi:

Penso que isso é verdade.

Iwata:

Isso é surpreendente. Takeda-san, o que achas?

Takeda:

Sob risco de estar a dispersar-me do assunto, acho que se pegarmos nessa questão do silêncio, nos títulos que Takahashi-san fez até agora, terás uma ou duas personagens na tua equipa e haverá sempre uma que não diz nada. Só me apercebi disso quando escrevi o cenário para este título, mas quando cada membro da equipa fala, torna-se muito duro escrever os tais diálogos. E foi só quando estava incumbido de escrever o cenário...

Iwata:

Então só descobriste isso depois de já teres começado a trabalhar nele.

Takeda:

Exatamente! (risos) Descobri que se não te certificares de que tens uma personagem que não fala, os diálogos tornam-se chatos. Só me apercebi disso depois de o trabalho já ter começado.

Takahashi:

Há pouco falámos sobre a diferença entre jogos e anime, e eu diria que em termos da “gramática” dos dois, a maior diferença reside aí. Num jogo com um herói solitário, em que o jogo é construído com isto em mente, não vais ter um grande problema. Mas, por outro lado, com os RPG...

Iwata:

Tens uma equipa, não é?

Takahashi:

Isso significa que, por exemplo, com uma equipa de cinco pessoas tens de fazer com que os cinco membros apareçam juntos uma vez que não tens a certeza do membro da equipa com o qual o jogador mais se identifica.

Iwata:

Não dá para simplesmente ignorar um deles, pois não? Não podes fazê-lo de forma que não apareçam.

Iwata Asks
Takahashi:

Numa série de TV ou num filme, poderias ter cada um dos cinco membros num local separado e mostrar todo o tipo de situações. Podes depois tornar a história mais complexa ou alterar o ritmo. Mas num jogo, e especialmente num RPG, os cinco membros da equipa precisam de estar no mesmo local. Isto é muito específico dos videojogos.

Takeda:

Isto significa que quando há um acontecimento em particular, precisas de mostrar como cada um deles reage a ele.

Takahashi:

Para além disso, uma vez que cada uma das personagens tem a sua própria personalidade, tens de manter essa personalidade para que os jogadores continuem a sentir empatia para com eles. A forma como distingues as personagens e ajustas o ritmo poderá ser a maior diferença entre anime e videojogos.

Takeda:

Uma vez que eu só me apercebi disto depois de começar o trabalho, arrependi-me ligeiramente de o ter feito de forma que uma ou duas personagens não falassem, já que isso teria sido mais fácil. Olhando para trás agora, vejo que no trabalho inicial de Takahashi-san, este problema fora considerado. Então apercebi-me de que era esse o raciocínio por detrás desta e daquela personagem.

Iwata:

E como resolveste este problema? Desculpa, mas estou muito interessado... (risos)

Takeda:

Foi uma questão de pura força bruta! (risos) Não tive hipótese senão escrever um monte de falas!

Iwata:

Estou a ver! (risos) Então não existem personagens mudas em Xenoblade Chronicles?

Takeda:

Não. Por isso, gostaria que os jogadores desfrutassem do diálogo até ao final.