6. Manter as coisas simples

Itoi:

Uma coisa que tento fazer é não tornar as coisas exaustivas.

Miyamoto:

Ah sim?

Itoi:

Quando discutimos as opções A e B, alguém dirá “Também existe a opção F!” Depois, a pessoa que está obcecada com o trabalho árduo dirá que existem as opções C, D, E, F e G, como se estivéssemos a tentar considerar todas as hipóteses. Mas quando se trata de produzir algo de valioso, por vezes é mais divertido ter as opções A e B. Claro que ter inúmeras possibilidades, como no Google, é algo completamente diferente.

Miyamoto:

Sim, concordo.

Itoi:

O teu trabalho não é exaustivo, pois não?

Miyamoto:

Não.

Itoi:

Por exemplo, quando se trata de uma personagem famosa como Mario, sei que existiam limitações técnicas como o número de píxeis que poderia ser usado, mas para ser mesmo exaustivo, não deverias ter inventado outros designs para além de um homem de meia-idade com um bigode? Quer dizer, é um jogo que as crianças irão jogar, e tu acabaste por apresentar um senhor de meia-idade com um bigode.

Miyamoto:

Sim. (risos) Quando inventei Mario, provavelmente desenhei outra opção. Um esboço apenas. A lápis.

Itoi:

Então...opções A e B. (risos)

Miyamoto:

Sim, não tive nenhum motivo secreto, como desenhar uma alternativa só para fazer o desenho do qual eu gostava mesmo parecer melhor, apenas desenhei dois. Afinal, nessa altura, estava a fazer os desenhos e os planos praticamente sozinho e só após estar tudo terminado é que pensávamos na forma de o vender. Por outras palavras, ninguém viu o meu trabalho. O programador ficava feliz se eu desenhasse alguma coisa e lha mostrasse.

Itoi:

Então poliste a opção A.

Miyamoto:

Sim. Mas estávamos a criar o software para a NES nessa altura, por isso existiam também limites de capacidade.

Itoi:

OK.

Miyamoto:

Mas mesmo quando estávamos a enfrentar limitações como restrições de capacidade, se algo me preocupava, aplicava-me mesmo. Por exemplo, tomámos a decisão de que Mario entraria por um Warp Pipe a partir de cima porque de lado não funcionaria.

Itoi:

Estou a ver.

Miyamoto:

E lembras-te de quando de repente desces para o subsolo após terminares o World 1-1?

Itoi:

Sim.

Miyamoto:

Achei estranha a forma como Mario já está no subsolo quando esse nível começa. Porque está Mario, que acabou de passar em frente a um castelo, no subsolo? Não consegui encaixar uma sequência que mostrasse como ele cai para o subsolo, logo, decidi que ele iria cair do topo do ecrã, e, surpreendentemente, isso resultou na perfeição. Se alguém me tivesse pedido para dar um pouco mais de detalhe neste ponto, o resultado teria sido diferente.

Itoi:

Por outras palavras, costumavam existir mais limitações, pelo que tinhas de te concentrar no que era mais importante e pensar de forma simples.

Iwata Asks
Miyamoto:

Sim, penso mesmo que sim. As limitações eram quase sempre uma grande ajuda. Os jogadores podiam imaginar os detalhes que não eram incluídos.

Itoi:

Em termos do alfabeto, só tinhas de te preocupar com as opções A e B. Os miúdos de hoje, não podendo regressar aos tempos em que só havia um par de opções, poderão ter de trabalhar de forma completamente diferente.

Miyamoto:

Verdade. Sinto um pouco de pena deles.

Itoi:

Há bocado fizemos a analogia do homem e da mulher prestes a casar e de como as várias decisões que têm de tomar se podem reduzir a um simples facto: casar ou não casar. Isso é basicamente regressar a uma escolha simples entre A e B.

Miyamoto:

Certo.

Itoi:

Tens de habituar-te a pensar em formas fáceis de fazer as coisas. Essa é uma abordagem completamente diferente da intenção de simplesmente trabalhar no duro.

Miyamoto:

E, por exemplo, a questão de quantos títulos lançaríamos em cada ano costumava ser simples. Era algo como dois jogos por ano, e se não os lançássemos, não ganharíamos dinheiro nenhum.

Itoi:

Estou a ver.

Miyamoto:

Percebemos instintivamente o que implicaria não lançar pelo menos um jogo todos os anos na época do Natal. Quando é esse o caso, a tua única opção é decidir lançar um jogo e simplesmente definir prioridades.

Itoi:

Sim. Para estar dentro do prazo.

Miyamoto:

Certo. Gradualmente evoluiu para dez jogos por ano, depois 20, e quando começas a lidar com muitos jogos ao mesmo tempo, a sua realidade começa a desaparecer. Depois começas a pensar em todo o tipo de coisas.

Itoi:

As pessoas já não se unem com o único objectivo de lançar um jogo.

Miyamoto:

Certo. Isso poderia ter-me acontecido também, mas consegui ultrapassá-lo. Sabes, quando me juntei à direcção, as coisas voltaram a ser simples.

Itoi:

Aha, estou a ver…

Miyamoto:

Quando fazes parte da direcção, percebes claramente o que acontecerá se não lançares títulos suficientes no fim do ano.

Itoi:

Certo.

Miyamoto:

Quanto mais vês as coisas de uma perspectiva de gestão, mais consegues pensar nas coisas de forma simples.

Itoi:

Essa é uma grande descoberta, não é?

Miyamoto:

Poderá ser, sim! (risos)

Itoi:

Sim. Muitas vezes, as pessoas dizem que tens de adoptar o ponto de vista de um executivo, e que, quando te apercebes de que és tu quem está a gerir a empresa, começas a ver os problemas que isso implica. Ou seja, pensar com a cabeça de um director ou gestor torna os problemas mais simples.

Miyamoto:

Penso que sim. É por isso que, ao longo de cerca de dez anos, tenho mantido as coisas simples. Mas a equipa segue numa direcção mais complicada. Essa diferença é interessante. Mas algo que gostaria de dizer para evitar mal-entendidos é que uma empresa é, na verdade, suportada por essas pessoas complicadas.

Iwata Asks
Itoi:

Uh-huh…

Miyamoto:

Percebo isso. Mas algo sobre o qual tenho vindo a ponderar há algum tempo é como é que eu, percebendo isso totalmente, posso fazer com que essas pessoas façam as coisas de forma simples. O meu trabalho há já alguns anos tem sido explicar, com todo o meu poder, a essas pessoas que por vezes é também necessário pensar de forma simples. Mas, para ser honesto, acho que eu próprio mantenho as duas atitudes. (risos)

Itoi:

Sim, consigo ver isso.

Miyamoto:

(risos)