Refazer The Legend of Zelda: Ocarina of Time de forma a provocar as mesmas sensações de quando foi lançado em 1998 e, ao mesmo tempo, satisfazer os gostos de hoje em dia, deve ter sido uma luta cheia de contradições. Ishii-san, como resolveste essa questão?
A postura que adotei consistiu em refletir sobre o assunto depois de conversar com a equipa original – começando por Aonuma-san - sobre o espírito daquele grupo quando criou o jogo original e o que considerava importante. Aquilo que mais busquei neste projeto foi a partilha de valores com a equipa original. Sem isso, acho que teríamos fracassado.
Esforçaste-te para que não surgisse esse tipo de discrepância entre a Grezzo e a equipa original à medida que a informação ia passando de um lado para o outro. Mas duvido que todos tivessem querido seguir na mesma direção desde o início.
Não. Enquanto criadores, mal podíamos esperar para nos chegarmos à frente com as nossas próprias ideias. No início, o olhar de cada um dos membros da equipa tendia a ficar preso nos detalhes, vendo determinadas questões e não o quadro geral, por assim dizer. No entanto, quando conversámos com a equipa original, começou a nascer um sentimento comum em relação ao que devíamos alterar.
Outra das questões em que pensei era algo a que chamava “complementar memórias” – descobrir de que forma as memórias dos fãs e as nossas ideias podem complementar-se mutuamente.
Como é um jogo com 13 anos, tivemos de encontrar o equilíbrio visual adequado tendo em conta, até certo ponto, aquilo que as mentes dos fãs tinham idealizado.
Sim. Um dos membros da nossa equipa adora The Legend of Zelda: Ocarina of Time e tem em mente uma fronteira idealizada. Criar a nova versão do jogo abaixo dessa fronteira é inconcebível para ele. Mas se te concentrares demasiado nisso, o equilíbrio geral vai sofrer e as cabeças mais frias vão sentir que o jogo mudou demasiado. Por isso, a abordagem da equipa oscilou de um lado para o outro.
Como é que lidaste com abordagens tão diferentes?
Nós propusemos revelá-lo e pedimos a Ikuta-san e a outras pessoas que experimentassem partes do jogo. Perguntávamos em que sentido a nossa versão divergia daquela que tinham imaginado e, de seguida, fazíamos as alterações necessárias. Houve um conflito que surgiu quando, sendo nós programadores, quisemos livrar-nos de bugs. Mas os membros da equipa que tinham jogado a versão original disseram que os bugs eram divertidos! Nós pensámos “O quê?!” (risos)
Sim, esse é um ponto de controvérsia.
Não ia ser divertido se os nossos amigos não pudessem dizer “Sabias disto?” Por isso, deixámos os bugs que não causavam problemas e que eram benéficos.
Então, implementaram-nos como se fossem pormenores técnicos, ao invés de os tratarem como bugs. Exigiu algum trabalho e não se pouparam a esforços, mas conseguiram preservar o espírito do original.
Sim. No caso dos bugs que não podiam, de forma alguma, ser deixados no jogo, arranjámo-los, mas com má vontade. No entanto, deixámos tantos quanto possível para que os jogadores pudessem divertir-se com isso.
Que outras discrepâncias resolveram do ponto de vista da programação?
Surgiram problemas quando recriámos a marca5 Z-targeting original no espaço estereoscópico da consola Nintendo 3DS. Quando trancas a marca no original, parece que uma pessoa escondida atrás de outra passa para a frente. No entanto, em 3D, a perspetiva não funcionava. Por isso, para a consola Nintendo 3DS, ajustámo-la de forma que a marca ficasse semitransparente quando há alguma profundidade envolvida, para que a sensação visual de distância fosse preservada. 5. Marca Z-targeting original: Marca que aparece quando o jogador prime o Botão Z. Não só o ponto de vista muda, passando diretamente para trás de Link, mas Link também pode falar com as personagens à distância e ficar em vantagem num combate ao trancar os inimigos. Em The Legend of Zelda: Ocarina of Time 3D, os jogadores primem o Botão L.
Só reparei nesse problema durante o desenvolvimento. Em 2D, a marca foi criada com bastante perícia para que encobrisse quaisquer discrepâncias. No entanto, em 3D, tivemos de a substituir para que se enquadrasse bem no ambiente 3D.
Quando os gráficos de um jogo mudam para 3D, surge uma série de novas discrepâncias e, por isso, também tiveram de abordar essas questões.
Sim. Como se não fosse suficientemente difícil lidar com o aumento da frame rate da consola Nintendo 3DS6. 6. Frame rate: O número de vezes por segundo em que a imagem no ecrã é atualizada.
Sim. Desta vez, isso foi o mais difícil. O código-fonte do programa evidenciou a dificuldade sentida pela equipa original. Encontrámos, por exemplo, vestígios de cálculos frenéticos escritos no código, tais como 10 + 1 + 2 - 5. Deve ter sido mesmo à conta.
Não foi fácil mudar a frame rate de software criado há tanto tempo. Sobretudo tendo em conta que o jogo original incluía diferentes frame rates entre áreas de processamento mais leve e mais pesado.
Exato. Quando aparecia um número que presumia um atraso de processamento, ficávamos consternados!
Naquela altura, podíamos presumir a ocorrência de um atraso de processamento, mas não poupávamos esforços para que os jogadores não dessem por isso. Por exemplo, o combate contra Ganon7 era particularmente lento. 7. Ganon: Boss que aparecia na série The Legend of Zelda.
Mas essa sensação ligeiramente pesada fazia Ganon parecer maior e mais pesado.
É verdade! Ia ser estranho se os seus movimentos fossem rápidos e precisos.
Isso é difícil de recriar.
No que diz respeito à deteção de colisão8 entre Link e os monstros, a frame rate original era de 20 vezes por segundo. Mas, desta vez, é de 30 vezes, o que torna os movimentos mais suaves. Mas Ikuta-san disse “Não é mais difícil do que o anterior?" Tentei programá-lo de forma que a dificuldade não mudasse, mas o aumento da precisão da deteção de colisão é uma alteração que se sente. Por isso, tive cuidado com esses aspetos para poder garantir o máximo de semelhança com o original quanto possível. 8. Deteção de colisão: A extensão, determinada pelo jogo, do ataque sofrido pelo jogador-personagem ou pelo inimigo.
Lamento, não sabia qual era a razão. Apenas senti que algo estava diferente.
Fico impressionado por teres reparado! (risos)
É verdade. Nunca se esquece de algo que se aprendeu com o corpo. A experiência é importante.
Tal como aprender a andar de bicicleta, a partir do momento em que os teus dedos aprendem um jogo, nunca mais se esquecem do que sentem quando jogam.
Sempre trabalhei na série The Legend of Zelda e, por isso, cada nova versão deveria ocupar o lugar da versão anterior na minha memória. Mas quando jogo The Legend of Zelda: Ocarina of Time, as memórias desse tempo regressam. As memórias de videojogos devem estar todas armazenadas num determinado sítio e, quando jogas só um bocadinho, voltam todas. Por isso é tão importante que o jogo permita uma fusão perfeita dessas memórias com a nova versão.
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