2. A barreira idealizada

Iwata:

Refazer The Legend of Zelda: Ocarina of Time de forma a provocar as mesmas sensações de quando foi lançado em 1998 e, ao mesmo tempo, satisfazer os gostos de hoje em dia, deve ter sido uma luta cheia de contradições. Ishii-san, como resolveste essa questão?

Ishii:

A postura que adotei consistiu em refletir sobre o assunto depois de conversar com a equipa original – começando por Aonuma-san - sobre o espírito daquele grupo quando criou o jogo original e o que considerava importante. Aquilo que mais busquei neste projeto foi a partilha de valores com a equipa original. Sem isso, acho que teríamos fracassado.

Iwata:

Esforçaste-te para que não surgisse esse tipo de discrepância entre a Grezzo e a equipa original à medida que a informação ia passando de um lado para o outro. Mas duvido que todos tivessem querido seguir na mesma direção desde o início.

Ishii:

Não. Enquanto criadores, mal podíamos esperar para nos chegarmos à frente com as nossas próprias ideias. No início, o olhar de cada um dos membros da equipa tendia a ficar preso nos detalhes, vendo determinadas questões e não o quadro geral, por assim dizer. No entanto, quando conversámos com a equipa original, começou a nascer um sentimento comum em relação ao que devíamos alterar.

Iwata Asks
Tonooka:

Outra das questões em que pensei era algo a que chamava “complementar memórias” – descobrir de que forma as memórias dos fãs e as nossas ideias podem complementar-se mutuamente.

Iwata:

Como é um jogo com 13 anos, tivemos de encontrar o equilíbrio visual adequado tendo em conta, até certo ponto, aquilo que as mentes dos fãs tinham idealizado.

Moriya:

Sim. Um dos membros da nossa equipa adora The Legend of Zelda: Ocarina of Time e tem em mente uma fronteira idealizada. Criar a nova versão do jogo abaixo dessa fronteira é inconcebível para ele. Mas se te concentrares demasiado nisso, o equilíbrio geral vai sofrer e as cabeças mais frias vão sentir que o jogo mudou demasiado. Por isso, a abordagem da equipa oscilou de um lado para o outro.

Iwata:

Como é que lidaste com abordagens tão diferentes?

Moriya:

Nós propusemos revelá-lo e pedimos a Ikuta-san e a outras pessoas que experimentassem partes do jogo. Perguntávamos em que sentido a nossa versão divergia daquela que tinham imaginado e, de seguida, fazíamos as alterações necessárias. Houve um conflito que surgiu quando, sendo nós programadores, quisemos livrar-nos de bugs. Mas os membros da equipa que tinham jogado a versão original disseram que os bugs eram divertidos! Nós pensámos “O quê?!” (risos)

Iwata:

Sim, esse é um ponto de controvérsia.

Moriya:

Não ia ser divertido se os nossos amigos não pudessem dizer “Sabias disto?” Por isso, deixámos os bugs que não causavam problemas e que eram benéficos.

Iwata:

Então, implementaram-nos como se fossem pormenores técnicos, ao invés de os tratarem como bugs. Exigiu algum trabalho e não se pouparam a esforços, mas conseguiram preservar o espírito do original.

Moriya:

Sim. No caso dos bugs que não podiam, de forma alguma, ser deixados no jogo, arranjámo-los, mas com má vontade. No entanto, deixámos tantos quanto possível para que os jogadores pudessem divertir-se com isso.

Iwata:

Que outras discrepâncias resolveram do ponto de vista da programação?

Moriya:

Surgiram problemas quando recriámos a marca5 Z-targeting original no espaço estereoscópico da consola Nintendo 3DS. Quando trancas a marca no original, parece que uma pessoa escondida atrás de outra passa para a frente. No entanto, em 3D, a perspetiva não funcionava. Por isso, para a consola Nintendo 3DS, ajustámo-la de forma que a marca ficasse semitransparente quando há alguma profundidade envolvida, para que a sensação visual de distância fosse preservada. 5. Marca Z-targeting original: Marca que aparece quando o jogador prime o Botão Z. Não só o ponto de vista muda, passando diretamente para trás de Link, mas Link também pode falar com as personagens à distância e ficar em vantagem num combate ao trancar os inimigos. Em The Legend of Zelda: Ocarina of Time 3D, os jogadores primem o Botão L.

Aonuma:

Só reparei nesse problema durante o desenvolvimento. Em 2D, a marca foi criada com bastante perícia para que encobrisse quaisquer discrepâncias. No entanto, em 3D, tivemos de a substituir para que se enquadrasse bem no ambiente 3D.

Iwata:

Quando os gráficos de um jogo mudam para 3D, surge uma série de novas discrepâncias e, por isso, também tiveram de abordar essas questões.

Aonuma:

Sim. Como se não fosse suficientemente difícil lidar com o aumento da frame rate da consola Nintendo 3DS6. 6. Frame rate: O número de vezes por segundo em que a imagem no ecrã é atualizada.

Moriya:

Sim. Desta vez, isso foi o mais difícil. O código-fonte do programa evidenciou a dificuldade sentida pela equipa original. Encontrámos, por exemplo, vestígios de cálculos frenéticos escritos no código, tais como 10 + 1 + 2 - 5. Deve ter sido mesmo à conta.

Iwata:

Não foi fácil mudar a frame rate de software criado há tanto tempo. Sobretudo tendo em conta que o jogo original incluía diferentes frame rates entre áreas de processamento mais leve e mais pesado.

Moriya:

Exato. Quando aparecia um número que presumia um atraso de processamento, ficávamos consternados!

Aonuma:

Naquela altura, podíamos presumir a ocorrência de um atraso de processamento, mas não poupávamos esforços para que os jogadores não dessem por isso. Por exemplo, o combate contra Ganon7 era particularmente lento. 7. Ganon: Boss que aparecia na série The Legend of Zelda.

Iwata:

Mas essa sensação ligeiramente pesada fazia Ganon parecer maior e mais pesado.

Aonuma:

É verdade! Ia ser estranho se os seus movimentos fossem rápidos e precisos.

Shimizu:

Isso é difícil de recriar.

Tonooka:

No que diz respeito à deteção de colisão8 entre Link e os monstros, a frame rate original era de 20 vezes por segundo. Mas, desta vez, é de 30 vezes, o que torna os movimentos mais suaves. Mas Ikuta-san disse “Não é mais difícil do que o anterior?" Tentei programá-lo de forma que a dificuldade não mudasse, mas o aumento da precisão da deteção de colisão é uma alteração que se sente. Por isso, tive cuidado com esses aspetos para poder garantir o máximo de semelhança com o original quanto possível. 8. Deteção de colisão: A extensão, determinada pelo jogo, do ataque sofrido pelo jogador-personagem ou pelo inimigo.

Iwata Asks
Ikuta:

Lamento, não sabia qual era a razão. Apenas senti que algo estava diferente.

Tonooka:

Fico impressionado por teres reparado! (risos)

Aonuma:

É verdade. Nunca se esquece de algo que se aprendeu com o corpo. A experiência é importante.

Iwata:

Tal como aprender a andar de bicicleta, a partir do momento em que os teus dedos aprendem um jogo, nunca mais se esquecem do que sentem quando jogam.

Aonuma:

Sempre trabalhei na série The Legend of Zelda e, por isso, cada nova versão deveria ocupar o lugar da versão anterior na minha memória. Mas quando jogo The Legend of Zelda: Ocarina of Time, as memórias desse tempo regressam. As memórias de videojogos devem estar todas armazenadas num determinado sítio e, quando jogas só um bocadinho, voltam todas. Por isso é tão importante que o jogo permita uma fusão perfeita dessas memórias com a nova versão.