3. Toda a gente gosta de cavalos

Iwata:

Quando fazes um jogo The Legend of Zelda, como pensas na história?

Miyamoto:

As histórias de The Legend of Zelda poderão não ser iguais à medida que a série avança. Na verdade, passamos muito tempo a tentar fazer com que sejam iguais. Seria muito mais fácil se os jogadores dissessem: “Oh, isso não interessa.” (risos)

Iwata:

(risos) Preferes gastar a tua energia nos elementos do jogo em vez de na história.

Miyamoto:

Exatamente. Por vezes as pessoas perguntam se Yoshi é masculino ou feminino. Se responder que provavelmente é um rapaz, dizem: “Então é um rapaz que põe ovos?” (risos)

Iwata:

(risos)

Miyamoto:

Mas a partir do momento em que digo que Yoshi põe ovos e que, por isso, deve ser uma rapariga, dizem: “Então a voz de Yoshi devia soar mais como a de uma rapariga!”. Mas quero fazer videojogos sem ter de me preocupar com estas informações de fundo. Pega na série animada Popeye12, por exemplo. Em desenhos animados velhos como este, os papéis das personagens eram sempre diferentes. 12.Popeye: Uma série de televisão animada americana. A história era uma comédia baseada na personagem principal Popeye, na sua namorada Olívia Palito, e no seu rival Brutus. A série foi transmitida no Japão de 1959 a 1965.

Iwata Asks
Iwata:

O cenário estava sempre a mudar.

Miyamoto:

Embora o cenário estivesse sempre a mudar, as personagens que conhecias e adoravas saíam e atuavam. Bem, os jogos Mario estão definidos para isso. Seria muito mais fácil se pudéssemos usar qualquer cenário de The Legend of Zelda e preservar, ao mesmo tempo, a relação essencial entre Link, Ganon e Zelda.

Iwata:

Mas quando uma série já tem a longevidade que tem, a tarefa não é fácil.

Miyamoto:

Certo. Especialmente no que diz respeito à história dos jogos Zelda, não podemos fazer nada que seja uma desilusão, então com Ocarina of Time, trabalhámos na história com referência aos jogos passados da série.

Iwata:

Em relação a usar a função da personagem para representar a personagem principal, que foi uma coisa à qual prestaste muita atenção, as cut scenes também desempenharam um papel importante.

Miyamoto:

Verdade. Processá-las em tempo real foi um novo desafio que começou com o Star Fox 64.

Iwata:

Vejo-te a dizer às pessoas que é bom fazer cut scenes, mas tens de as poder corrigir até ao dia anterior à conclusão do jogo. (risos)

Miyamoto:

Sim. (risos) Já é normal eu mudar o jogo imediatamente antes do produto final.

Iwata:

É normal? (risos)

Miyamoto:

Claro! (risos) Os filmes pré-renderizados e a forma como eu faço jogos são completamente diferentes.

Iwata:

Nessa altura, o uso de filmes pré-renderizados – vídeos preparados com antecedência para serem reproduzidos em determinados pontos do jogo – era popular mas depois de os fazeres, não era muito fácil corrigi-los mais tarde.

Miyamoto:

Se queria corrigir alguma coisa, eles poderiam dizer-me: “Vamos precisar de, pelo menos, um mês.” Na pior das hipóteses, poderiam dizer: “O vídeo está terminado, por isso não pode ser mudado.”

Iwata:

Sim. (risos)

Miyamoto:

A minha reação era: “Huh? Se isto o vai tornar mais divertido, porque é que não podemos corrigi-lo?” E eles diziam: “Porque não podes mudar os vídeos.” Eu pensava: “Mas o que é mais importante para os fãs, os vídeos ou a diversão?” Foi por isso que adotei um método de processamento dos vídeos em tempo real.

Iwata:

(Takumi) Kawagoe-san esteve a cargo dos vídeos em tempo real, certo?

Miyamoto:

Kawagoe-san era programador, mas é um grande fã de cinema, por isso sempre se interessou pela edição de vídeos e de cenas dramáticas. Pedi-lhe para fazer edições de vídeo como se de filmes teatrais se tratasse. Suponho que foi por volta dessa altura que fizemos o papel do guião gráfico só para a Nintendo.

Iwata:

Foste tu próprio que desenhaste os guiões gráficos?

Miyamoto:

Nem por isso. Posso desenhar miniaturas simples, mas na maioria das vezes analisava o produto real e dizia: “Devia ser mais assim” e “Mostra-me isso.” Tomemos o exemplo da primeira batalha de bosses contra Gohma.

Iwata:

Isso é na masmorra chamada “Inside the Deku Tree”.

Miyamoto:

Sim. Quando entras na divisão com esse boss, Gohma está pendurado no teto, então normalmente não repararias mesmo que houvesse um rangido. Então primeiro posicionamos a câmara do ponto de vista de Gohma a olhar para Link, depois fazemos um plano aproximado à cara de medo de Link, depois mudamos o ponto de vista para que vejamos Link a olhar para cima, para Gohma.

Iwata:

Assim ficas a saber onde Gohma está.

Miyamoto:

Usámos cut scenes como essa para explicar coisas como onde os bosses estavam, adotando métodos só possíveis em videojogos. Usar vídeos era novo e divertido.

Iwata:

Osawa-san disse-me que trabalhaste muito na cut scene que mostra o cavalo a saltar sobre a cerca no Lon Lon Ranch.

Miyamoto:

Bem, em vez de trabalhar muito, diria que estávamos a levar a Nintendo 64 até ao limite. Queria que parecesse um pouco “fixe” sem parecer estranho. Se conseguires deixar o rancho quando quiseres, partes inacabadas do rancho poderão sobressair pelo que pensámos em integrar um acontecimento especial à força.

Iwata:

Integraram-no à força? (risos)

Miyamoto:

Sim. Sabes aquele tipo, o Ingo, que está no rancho?

Iwata:

Sim. Não tem uma personalidade lá muito boa e parece-se um pouco com o Luigi. (risos)

Miyamoto:

Certo. (risos) Ingo e Link têm uma corrida de cavalos. Se Link vencer, pode ficar com Epona, mas Ingo fecha o portão do rancho.

Iwata:

Então pulas a cerca e foges.

Miyamoto:

Isso. Ao início imaginei uma cena em que Ingo, num frenesim, incendeia o rancho, então Epona salta pelas chamas, mas depois alguém disse: “E quando Link regressa ao rancho mais tarde?” E então desisti dessa ideia. (risos)

Iwata:

(risos) Antes disso, perguntei-te a razão pela qual querias tanto mostrar o Link jovem. Porque te focaste tanto em ter um cavalo no jogo?

Iwata Asks
Miyamoto:

Acho que é porque crescemos a ver Westerns.

Iwata:

Os Westerns estavam muito em voga na televisão.

Miyamoto:

Tiveram uma grande influência sobre mim. E as fontes de água na Escola Primária tinham sempre copos de alumínio. Costumávamos virá-los e atirá-los para o chão ao mesmo ritmo para que soasse como um cavalo a galopar. (risos)

Iwata:

Certo. (risos)

Miyamoto:

É para veres como todos adorávamos cavalos quando éramos miúdos. Esse ritmo está-nos nas veias. É por isso que queria muito fazê-lo de forma que pudesses montar um cavalo em Ocarina of Time.