2. Satisfazer desejos não expressos

Iwata:

Se fizeres um mau trabalho numa série como Tales, uma série que tem fãs entusiastas, o entusiasmo dos fãs pode virar-se contra ti. O que é que fizeste para evitar isso?

Yoshizumi:

Toda a equipa tenta perceber aquilo de que os fãs não gostam. Mas não podemos estar sempre a par, por isso é um desafio.

Iwata:

Nem sempre é bom ouvir apenas as opiniões e as exigências dos fãs e fazer tudo o que eles querem. A nossa função é surpreender os fãs de uma maneira positiva, por isso não podemos ouvir apenas as opiniões deles. Temos de trair as expectativas deles, mas no bom sentido. Temos de satisfazer os seus desejos não expressos. Queremos que vejam o jogo e digam: "Sim, sim, era isto que eu queria!"

Yoshizumi:

Exato.

Iwata:

Mas isso é uma espada de dois gumes. Corremos o risco de os ouvir dizer: "Não é isto que eu quero da série Tales!" Contudo, se adotarmos uma postura conservadora, o interesse desvanece. Como é que lidaste com isso durante 15 anos, na série Tales?

Yoshizumi:

Somos sensíveis às opiniões dos fãs. Mas não creio que o nosso trabalho se limite a perceber o que eles querem. Não se fazem videojogos com base no voto da maioria.

Iwata:

E vivemos numa época maravilhosa, em que as opiniões dos fãs são expressas imediatamente pela Internet. Recebes louvores, repreensões e críticas, e podes ver o que surpreendeu as pessoas de uma maneira positiva. Mas, embora o nosso trabalho seja essencialmente fazer uma coisa que ainda não existe, se prestarmos demasiada atenção a essas opiniões, vamos preocupar-nos com elas.

Yoshizumi:

Sim, podem desencaminhar-te.

Iwata Asks
Iwata:

Os funcionários mais novos são mais propensos a isso. Suponho que o vosso trabalho mais importante na série Tales seja enfrentar esses funcionários mais novos, que trabalham apenas para satisfazer as exigências dos clientes, e dizer: "Só isso não os vai surpreender."

Yoshizumi:

Bem, não posso dizer nada muito pomposo, mas digo sempre: "Quando não têm a certeza do que fazer, pensem no que prefeririam se fossem o jogador." Quero que trabalhem para o indivíduo e não para a multidão. Se dermos demasiada importância às opiniões dos fãs, isso influencia-nos, por isso digo: "Façam o que lhes parece ser melhor."

Iwata:

Quando um jogo fornece surpresas agradáveis, os jogadores não conseguem evitar um sorriso. Acho que o entretenimento de alta qualidade faz isso com frequência. Se tudo funcionar como um relógio, não é gratificante.

Yoshizumi:

É verdade. Quero eliminar todos os vestígios das circunstâncias dos criadores.

Iwata:

Mas sempre que acreditamos ter seguido o caminho certo, e quando aquilo que fazemos é publicado, temos vontade de rezar, não é?

Yoshizumi:

Sim. É assustador.

Iwata:

É sempre. Porque é uma batalha contra o desconhecido. Publicamos algo que foi meticulosamente pensado, mas nem sempre temos sucesso quanto à reação dos jogadores. Contudo, se criarmos algo que siga o voto da maioria, não será divertido.

Iwata Asks
Yoshizumi:

É verdade. As pessoas falam sempre de sondagens e publicidade, e podemos fazer um bom uso desses instrumentos, mas quando criamos algo, embora usemos esses instrumentos como referência, sozinhos não são suficientes. Costumo passar as manhãs nas lojas, nos dias de lançamento de um jogo da série Tales. Tenho medo de ver se os jogos vendem ou não. Sinto-me assim, até ver um cliente a comprar o jogo.

Iwata:

Então calculo que tenhas uma expressão de preocupação.

Yoshizumi:

Oh, sem dúvida! (risos) Estamos todos preocupados, por isso vamos juntos. Estamos atentos e, após a venda de alguns jogos, sentimo-nos melhor. Voltamos e dizemos: "Ufa! Parece que venderam alguns jogos." (risos)

Iwata:

É importante ver o rosto dos clientes que o compram.

Yoshizumi:

São rapazes e também há muitas mães, enviadas pelos filhos.

Iwata:

Claro, numa missão em nome dos filhos.

Yoshizumi:

Exato. E avôs que olham com muita atenção para bilhetes.

Iwata Asks
Iwata:

Quando vejo esses clientes, tenho vontade de lhes apertar a mão e agradecer.

Yoshizumi:

Sim. Quando entrei para a empresa, andava pelas lojas, a vender. Queria saber o que os clientes procuravam e no que pensavam, quando compravam jogos. Passaram vinte anos e vou-me afastando cada vez mais da fase final dos videojogos. Comecei nas vendas, passei para a promoção e estou na fase de criação!

Iwata:

É mesmo verdade!

Yoshizumi:

Preciso de ter a certeza de que o jogo vende mesmo. Esse é o verdadeiro início. Costumo dizer o mesmo aos criadores, mas não é preciso ir às lojas e fazer uma pesquisa detalhada. Devemos ver como é o ambiente, o que vende e quanto, e aquilo que os clientes compram. É melhor ir aos sítios onde podemos ver essas coisas.

Iwata:

Por exemplo, se um certo produto vender um milhão de cópias, há um milhão de razões para o comprar. Acho que aquilo que fazemos pode mudar, dependendo de quão bem pudermos imaginar essas razões. Ver os clientes nas lojas ajuda bastante.

Yoshizumi:

Concordo plenamente. Por exemplo, hoje em dia, quando se trata de livros, CD e jogos, as pessoas costumam decidir se compram alguma coisa com base apenas na embalagem.

Iwata:

Um cliente pode pegar numa embalagem de teste, olhar para a parte de trás e voltar a pô-la na prateleira. (risos) Penso: "Não a ponhas na prateleira!" Mas há uma razão que leva a pessoa a fazer isso. Por alguma razão, o jogo não a entusiasmou.

Yoshizumi:

Também é uma batalha.

Iwata:

Sim. Por muito bom que seja o conteúdo, se não transmitirmos isso, não vendemos. Não é invulgar considerar um jogo divertido, depois de o experimentarmos. Na verdade, existem mais jogos que são divertidos quando os jogamos do que o contrário. Mas os clientes são pessoas ocupadas. Se isso não for evidente na embalagem, não o vão comprar.

Yoshizumi:

O importante é dar-lhes uma razão para o comprar. Mas, quando fazemos parte do processo de criação, é difícil perceber que razão é essa.

Iwata:

Quando um jogo é altamente gratificante, os clientes compram o jogo seguinte. O mais importante é que um jogo seja divertido de jogar, mas hoje em dia não podemos ficar à espera que as pessoas o joguem.

Yoshizumi:

Exato. A série Tales começou assim, por isso sinto que há 15 anos que tentamos descobrir como podemos continuar. Por exemplo, penso sempre no que posso fazer em aspetos que são visíveis, como a conceção das personagens, artistas convidados e publicidade, para levar os clientes a pensar que têm de comprar o jogo.

Iwata:

Isso é mais do que promover um produto terminado.

Yoshizumi:

Sim. Temos de dar aos jogadores um motivo simples para comprarem o jogo.